A principal vítima não é a grávida, mas o
bebê. Quando é possível diagnosticar a microcefalia, ele já tem seis
meses de gestação. Tem o direito de viver, como tantas crianças com
deficiência
Mães e pais de crianças com deficiência
passam por momentos duros e difíceis, por grandes desafios, e também por
alegrias talvez não percebidas por outros pais, a cada pequeno
progresso, a cada passo, a cada vitória diante de um objetivo cotidiano.
A jornalista Ana Carolina Cáceres, portadora de microcefalia, relata de
forma emocionante seus primeiros passos, para ir atrás de um cachorro. O
que terá passado pela mente e pelo coração de seu pai, quando
testemunhou o fato? Ele tinha ouvido os médicos dizerem que ela não
sobreviveria.
Por outro lado, mulheres que fizeram
aborto, especialmente nos casos de alguma má-formação, vivem na dúvida:
como seria agora meu filho? Como teria se desenvolvido? Sim, porque essa
mulher tem um filho. Morto, mas filho.
A meu ver, este é um dos grandes
equívocos nos argumentos para a liberação do aborto: tratar o filho
abortado como se ele fosse inexistente, como se fosse possível
"cancelar" uma gravidez. Toda mulher que tenha perdido um filho em um
aborto espontâneo conhece a dor dessa perda, e precisa trabalhá-la, como
fazemos diante de todos os nossos seres queridos que se foram. Não se
pode considerar que seja diferente quando o aborto é induzido, provocado
pela própria mãe ou por sua solicitação. Nesse caso, há o agravante da
culpa, da responsabilidade pela morte do próprio filho. O aborto pode
tirar a criança do útero de sua mãe, mas não a tira da sua mente nem do
coração.
No caso da microcefalia, há o agravante de que o diagnóstico é
tardio, a partir do sexto mês da gestação. Ou seja, estamos falando de
uma criança já capaz de sobreviver fora do útero, em muitos casos.
O argumento da "liberdade de escolha" também é equivocado. À maior
interessada, que é a criança, não é dada a liberdade de escolher entre
 sua vida e sua morte. A vida é o primeiro de todos os direitos, e
nenhum outro pode existir sem ele. Não pode caber a outrem a decisão
sobre a vida de cada um de nós. Além disso, à escolha da mãe também
faltam elementos para que possa ser considerada verdadeiramente livre.
Na maior parte das vezes, o aborto é um ato de desespero, de aflição, de
alguém que "não vê outra saída". São inúmeros os exemplos de mulheres
que pensam em abortar, mas que desistem quando são ouvidas, ajudadas,
acolhidas. Propor o aborto como solução a uma grávida quando se faz o
diagnóstico de microcefalia é negar a ela o amparo de que realmente
necessita.
Um aspecto particularmente nefasto do aborto eugênico – aquele que
ocorre porque o filho em gestação não é "perfeito" – é a carga de
preconceito que o fundamenta. Estaríamos negando a dignidade da vida de
crianças deficientes, vistas como alguém que não deveria estar vivo
porque representa um peso para sua família e para a sociedade. Crianças
com deficiência merecem ser acolhidas, cuidadas, amadas. Fazem a
diferença em suas famílias, contribuindo para que tenhamos um mundo
melhor.
Lenise Garcia
Doutora em microbiologia e coordenadora do curso de biologia da UnB
Fonte: Revista Isto É
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