No
trecho evangélico da Missa de hoje - Lc 9,18-24 - Lucas conta que Jesus
estava rezando num lugar deserto e os discípulos estavam com ele.
Movido pelo Espírito Santo, Jesus aproveitou o momento para aprofundar
com os discípulos um aspecto central da identidade e missão do Messias,
"O Cristo de Deus", e, por conseguinte, dos cristãos. Jesus pôs a
questão aos discípulos: "Quem diz o povo que Eu sou?" A resposta foi,
"uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham
que és algum dos antigos profetas que ressuscitou". Mas Jesus
perguntou-lhes: "E para vós quem Eu sou?" Pedro, sempre ele, respondeu
de imediato: "O Cristo de Deus". Jesus, primeiro, pediu-lhes para que
por ora guardassem essa revelação em segredo, porque certamente a
recepção da notícia seria equivocada, isto é, ideologizada como vinha
sendo interpretada pela tradição segundo a qual o Messias seria como um
rei Davi glorioso por seu grande poder econômico e militar que tomaria
conta do mundo, pelo que Ele seria muito amado tanto pelo povo quanto
pelos poderosos da nação, anciãos, sacerdotes e doutores da lei.
Tal que Jesus nem lhes perguntou sobre o
que significava ser "o Messias de Deus", já que essa resposta estaria
na ponta da língua: um rei poderoso neste e deste mundo. Assim sendo,
Jesus pôs-se logo a esclarecê-los, para sua perplexidade, afirmando que
"O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos
sumos sacerdotes e doutores da lei, deve ser morto e ressuscitar no
terceiro dia". Como o discípulo nunca será maior do que o mestre, Jesus
não deixou para depois a fim de revelar-lhes o que os deixou ainda mais
surpresos que "Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua
cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida vai
perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará".
Embora Jesus tenha deixado evidente quanto quem é "o Cristo de Deus" e quem serão os cristãos, foi somente depois da vinda do Espírito Santo que os discípulos compreenderam o verdadeiro sentido dessa revelação. Os que ainda hoje pregam ou seguem a teologia da prosperidade não entenderam nem quem é o Cristo nem quem são os cristãos, nem o que significa Reino de Deus nem reino deste mundo. Semeiam na confusão. Que o Senhor os perdoe porque não sabem o que fazem! Se o soubessem seriam mal intencionados. Da vida de Cristo e do cristão a cruz jamais poderá ser tirada.
As perguntas do Evangelho de hoje são dirigidas também a você, amado leitor e leitora: Quem é Jesus e quem é você? Conhecer Jesus é conhecer quem é a humanidade.
Venho lembrando aqui verdades básicas da fé sobre as quais a cultura moderna individualista e utilitarista tergiversa, buscando confundir a cabeça das pessoas, para desconstruí-las e dissolvê-las em mentiras. Uma corrente teológica nascida dessa cultura afirma que as religiões que hoje não operarem aqui e agora para a cura física, psíquica e espiritual e a promoção econômica e social do ser humano não devem ser levadas a sério. A proposta é sedutora. Igrejas neo-pentecostais, por exemplo, se inspiram nessa teologia e, por isso, trabalham intensamente oferecendo aos seus seguidores curas divinas, milagres e exorcismos e prometendo sucesso, progresso, riqueza e bem-estar geral. Como o diabo corre da cruz, os líderes dessas Igrejas fogem dela, não gostam de falar da paixão e crucificação de Jesus, nem sabem o que fazer com a cruz dos cristãos.
Priorizam o Jesus Salvador e Libertador e
o cristão bem sucedido. Na hermenêutica desses pastores, só há lugar
para um crucificado, Jesus, porque de fato "Cristo morreu por nossos
pecados, segundo as Escrituras" (1 Cor 15,3). É conforme o nosso
Catecismo afirma que (Jesus) "Por sua santíssima Paixão no madeiro da
cruz, mereceu-nos a justificação, como ensina o Concílio de Trento,
sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como 'principio de
salvação eterna'. A Igreja venera a cruz, cantando, 'crux, ave, spes
única - salve, ó cruz, única esperança'" (n:617).
Quanto, porém, à participação dos
cristãos no sacrifício de Cristo, esses pregadores não a negam enquanto
os cristãos são beneficiários passivos dos méritos de Cristo, mas
enquanto tenham que ativamente renunciar a si mesmos, tomar sua cruz
cada dia e seguir a Jesus, ah! isso não, nem pensar. Não compreendem o
que diz Paulo: "Agora regozijo-me nos meus sofrimentos por vós, e
completo o que falta às tribulações de Cristo em minha carne pelo seu
Corpo, que é a Igreja" (Col 1, 24). Para nossa salvação bastou o
sacrifício de Cristo, mas, sendo seus discípulos e imitadores, somos
chamados a carregar as tribulações de Cristo na nossa carne em favor do
anúncio do Evangelho e por causa do amor ao povo de Deus. Por isso,
conforme o Evangelho da Missa, Jesus chama seus discípulos a "tomar sua
cruz e segui-Lo", associando ao seu sacrifício redentor aqueles mesmos
que são seus primeiros beneficiários. Nosso Catecismo cita Santa Rosa de
Lima que assim se expressou: "Fora da Cruz não existe outra escada por
onde subir ao céu" (n: 618).
Aqui está a mentira da supra teologia mencionada, a de prometer a felicidade plena, o sucesso, o progresso e a riqueza de bens para aqui e agora nesta vida. É claro que não é falsa a fé na presença operante do Cristo ressuscitado e vivo nem no poder curativo e libertador do Espírito Santo. O erro, contudo, está na concepção de que essas graças, no entanto, não virão de graça, exigirão esforço pessoal, emulação de si, participação em cultos com demoradas orações, bênçãos, imposição de mãos, unções e exorcismos procedidos por quanto mais pastores melhor, jejuns e ofertas materiais para a obra de Deus. A salvação não viria da fé, mas das próprias forças das pessoas, sem depender de ninguém. Não é difícil de perceber por traz dessa 'mística' uma consciência ou pensamento de tipo mágico. Deus seria obrigado a devolver em bens pretendidos os sacrifícios que cada um faz de si em cultos e ritos de emulação. Nesse tipo de teologia neo-pentecostal predomina a fé interpretada de modo privado, intimista, espiritualizado, fundamentalista, sem preocupação com a dimensão social do Evangelho, a causa dos pobres e sofredores e a luta pelas transformações sociais.
Dom Caetano Ferrari
Bispo de Bauru (SP)