“A
missão não é proselitismo, nem mera estratégia; a missão faz parte da
gramática da fé, é algo de imprescindível para quem se coloca à escuta
da voz do Espírito, que sussurra ‘vem’ e ‘vai’”, disse o papa Francisco
em trecho da mensagem para o 89º Dia Mundial das Missões, que será
celebrado em 18 de outubro. O texto foi divulgado no domingo, 24 de
maio, na Solenidade de Pentecostes.
O papa recordou, ainda, que hoje a
missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade de todos os povos.
“Trata-se de conhecer e respeitar as outras tradições e sistemas
filosóficos e reconhecer, em cada povo e cultura”, refletiu Francisco.
Leia a íntegra do texto:
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES DE 2015
(18 de Outubro de 2015)
Queridos irmãos e irmãs
O Dia Mundial das Missões 2015 se
realiza no contexto do Ano da Vida Consagrada e recebe um estímulo para a
oração e a reflexão. Na verdade, se todo batizado é chamado a
testemunhar o Senhor Jesus proclamando a fé recebida como um presente,
isso vale, de modo particular, para a pessoa consagrada, pois entre vida
consagrada e missão existe uma ligação forte. O seguimento a Jesus, que
determinou o surgimento da vida consagrada na Igreja, responde ao
chamado a tomar a cruz e segui-Lo, a imitar a sua dedicação ao Pai e
seus gestos de serviço e amor, e a perder a vida para reencontrá-la.
Como a existência de Cristo tem um caráter missionário, os homens e
mulheres que o seguem mais de perto assumem plenamente esse mesmo
caráter.
A dimensão missionária, que pertence à
própria natureza da Igreja, é intrínseca a todas as formas de vida
consagrada, e não pode ser negligenciada sem deixar um vazio que
desfigura o carisma. A missão não é proselitismo ou mera estratégia; a
missão faz parte da “gramática” da fé, é algo imprescindível para quem
escuta a voz do Espírito que sussurra “vem” e “vai”. Quem segue Cristo
se torna missionário e sabe que Jesus «caminha com ele, fala com ele e
respira com ele. Sente Jesus vivo junto com ele no compromisso
missionário» (EG, 266).
A missão é ter paixão por Jesus Cristo e
ao mesmo tempo paixão pelas pessoas. Quando nos colocamos em oração
diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza do seu amor que nos
dá dignidade e nos sustenta; e no mesmo momento percebemos que aquele
amor que parte de seu coração transpassado se estende a todo o povo de
Deus e a toda a humanidade; e assim sentimos também que Ele quer
servir-se de nós para chegar cada vez mais perto de seu povo amado (cf.
ibid., 268) e de todos aqueles que o procuram de coração sincero. No
mandamento de Jesus: “ide”, existem cenários e sempre novos desafios
para a missão evangelizadora da Igreja. Nela, todos são chamados a
anunciar o Evangelho por meio do seu testemunho de vida; e os
consagrados, especialmente, são convidados a ouvir a voz do Espírito que
os chama para ir rumo às grandes periferias da missão, entre as pessoas
que ainda não receberam o Evangelho.
O quinquagésimo aniversário do Decreto
conciliar Ad gentes nos convida a reler e a meditar esse documento que
despertou um forte impulso missionário nos Institutos de vida
consagrada. Nas comunidades contemplativas, retomou luz e eloquência à
figura de Santa Teresa do Menino Jesus, padroeira das missões, como
inspiradora da ligação íntima da vida contemplativa com a missão. Para
muitas congregações religiosas de vida ativa, o anseio missionário que
surgiu do Concílio Vaticano II se concretizou com uma abertura
extraordinária para a missão ad gentes, muitas vezes acompanhada pelo
acolhimento a irmãos e irmãs provenientes de terras e culturas
encontradas na evangelização, de modo que hoje se pode falar de uma
interculturalidade difundida na vida consagrada. Por esse motivo, é
urgente repropor o ideal da missão em seu centro: Jesus Cristo, e em sua
exigência: o dom total de si ao anúncio do Evangelho. Não pode haver
tratativa sobre isto: quem, pela graça de Deus, acolhe a missão, é
chamado a viver de missão. Para essas pessoas, a proclamação de Cristo
nas várias periferias do mundo se torna o modo de como viver o
seguimento a Ele e a recompensa de muitas dificuldades e privações. Toda
tendência que desvia dessa vocação, mesmo que acompanhada por motivos
nobres relacionados com as muitas necessidades pastorais, eclesiais e
humanitárias, não é coerente com o chamado pessoal do Senhor para servir
o Evangelho.
Nos Institutos missionários, os
formadores são chamados tanto a indicar com clareza e honestidade essa
perspectiva de vida e ação, quanto a influir no discernimento de
vocações missionárias autênticas. Dirijo-me de modo especial aos jovens,
que ainda são capazes de testemunhos corajosos e atitudes generosas e
por vezes contracorrentes: não deixem que lhes roubem o sonho de uma
missão verdadeira, de doar-se ao seguimento a Jesus que requer o dom
total de si. No segredo de sua consciência, pergunte-se o motivo pelo
qual escolheu a vida religiosa missionária e meça a disponibilidade em
aceitá-la por aquilo que é: dom de amor a serviço do anúncio do
Evangelho, lembrando que, antes de ser uma necessidade para aqueles que
não o conhecem, o anúncio do Evangelho é uma necessidade para quem ama o
Mestre.
Hoje, a missão enfrenta o desafio de
respeitar a necessidade de todos os povos poderem recomeçar de suas
raízes e salvaguardar os valores de suas respectivas culturas. Trata-se
de conhecer e respeitar as outras tradições e sistemas filosóficos e
reconhecer, em cada povo e cultura, o direito de fazer-se ajudar por sua
tradição na inteligência do mistério de Deus e no acolhimento ao
Evangelho de Jesus, que é luz para as culturas e sua força
transformadora.
Dentro dessa dinâmica complexa nos
perguntamos: “Quem são os destinatários privilegiados do anúncio
evangélico?” A resposta é clara e a encontramos no próprio Evangelho: os
pobres, os pequenos e os enfermos, aqueles que muitas vezes são
desprezados e esquecidos, aqueles que não podem te retribuir (cf. Lc
14,13-14). A evangelização dirigida preferencialmente a eles é sinal do
Reino que Jesus veio trazer: «Existe um vínculo inseparável entre a
nossa fé e os pobres. Não os deixemos nunca sozinhos» (EG, 48). Isso
deve ser claro, especialmente para as pessoas que abraçam a vida
consagrada missionária: com o voto de pobreza se escolhe seguir Cristo
nessa sua preferência, não ideologicamente, mas como Ele,
identificando-se com os pobres, vivendo como eles na precariedade da
existência cotidiana e na renúncia de todo o poder para se tornar irmãos
e irmãs dos últimos, levando-lhes o testemunho da alegria do Evangelho e
a expressão da caridade de Deus.
Para viver o testemunho cristão e os
sinais do amor do Pai entre os pequenos e os pobres, os consagrados são
chamados a promover, no serviço da missão, a presença dos fiéis leigos. O
Concílio Ecumênico Vaticano II afirmou: «Os leigos colaboram na obra de
evangelização da Igreja, participando como testemunhas e como
instrumentos vivos da sua missão salvífica» (AG, 41). É necessário que
os consagrados missionários se abram sempre mais corajosamente para
aqueles que estão dispostos a colaborar com eles, mesmo que por um tempo
limitado, por uma experiência a campo. São irmãos e irmãs que desejam
partilhar a vocação missionária inerente ao Batismo. As casas e
estruturas das missões são lugares naturais para o seu acolhimento e
apoio humano, espiritual e apostólico.
As Instituições e Obras missionárias da
Igreja estão totalmente a serviço daqueles que não conhecem o Evangelho
de Jesus. Para realizar de maneira eficaz esse objetivo, elas precisam
dos carismas e do compromisso missionário dos consagrados, mas também os
consagrados precisam de uma estrutura de serviço, expressão da
solicitude do Bispo de Roma para garantir a koinonia, de modo que a
colaboração e a sinergia sejam partes integrantes do testemunho
missionário. Jesus colocou a unidade dos discípulos como uma condição
para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21). Essa convergência não equivale a
uma submissão jurídico-organizacional a organismos institucionais ou a
uma mortificação da fantasia do Espírito que inspira a diversidade, mas
significa dar mais eficácia à mensagem do Evangelho e promover a unidade
de propósitos que é também fruto do Espírito.
A Obra Missionária do Sucessor de Pedro
tem um horizonte apostólico universal. Por isso precisa também dos
muitos carismas da vida consagrada, para se dirigir ao vasto horizonte
da evangelização e ser capaz de garantir uma presença adequada nas
fronteiras e territórios alcançados.
Queridos irmãos e irmãs, a paixão do
missionário é o Evangelho. São Paulo afirmou: «Ai de mim se eu não
anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9,16). O Evangelho é fonte de alegria,
libertação e salvação para todos os homens. A Igreja é consciente desse
dom, por isso não se cansa de proclamar incessantemente a todos «o que
era desde o princípio, o que ouvimos e o que vimos com os nossos olhos»
(1 Jo 1,1). A missão dos servidores da Palavra - bispos, sacerdotes,
religiosos e leigos - é colocar todos, sem exceção, em relação pessoal
com Cristo. No imenso campo da ação missionária da Igreja, todo batizado
é chamado a viver bem o seu compromisso, segundo a sua situação
pessoal. Os consagrados e consagradas podem dar uma resposta generosa a
essa vocação universal a partir de uma intensa vida de oração e união
com o Senhor e com o seu sacrifício redentor.
Confio a Maria, Mãe da Igreja e modelo
de missionariedade, todos aqueles que, ad gentes ou no próprio
território, em todos os estados de vida, colaboram com o anúncio do
Evangelho e, de coração, concedo a cada um a Bênção Apostólica.
Vaticano, 24 de Maio – Solenidade de Pentecostes – de 2015.
Papa Francisco
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