Os preparativos já estão em andamento:
as Conferências Episcopais, em todos os países, estão recolhendo
reflexões e contribuições para o tema. Os representantes dos bispos
também já estão sendo escolhidos pelas respectivas Conferências. Do
Brasil, foram escolhidos 4, na recente assembléia geral da CNBB, em
abril passado.
Em geral, a família é vista hoje como
uma instituição em crise. De fato, ela é atingida em cheio pela crise
mais ampla da diluição dos valores e referenciais do comportamento e
pelas drásticas mudanças culturais. Sinais disso são o casamento
fragilizado, pelo qual já não se tem um apreço tão elevado como em
outros tempos; novas propostas de convivência entre homem e mulher
tendem a sobrepor-se ao modelo convencional de casamento e família.
Mas também as competências próprias da
família estão em processo de mudança, como a distribuição dos papéis do
casal no casamento; a procriação e a educação da prole, sempre
consideradas inerentes ao casamento e à família, já nem sempre são
vistas assim; o papel educador da família enfrenta muitas dificuldades,
impostas até pelas condições sociais e econômicas e pelo ritmo
envolvente da vida. Da mesma forma, as relações de cuidado entre as
pessoas da família tendem a ser sufocadas cada vez mais por pesadas
cargas burocráticas e pelas exigências da vida econômica. Penso nas
crianças na escola o dia inteiro, mas longe do contato com os pais; ou
nos doentes, entregues aos cuidados da previdência social, mas privados
dos afetos familiares.
Não há dúvida que a família atravessa
uma crise acentuada e, a muitos, o modelo tradicional desta instituição
já não parece mais responder às condições da cultura contemporânea. Vem,
então, a tentação de apregoar a falência da família tradicional e de
buscar novos modelos de família, com uniões livres e descompromissadas,
provisórias e até múltiplas; também as relações entre pessoas do mesmo
sexo vão sendo propostas como novas formas de casamento e família. E não
é raro que se veja na família um "problema", mais que um recurso e uma
possibilidade. Dela se espera o tudo e o nada, a solução de todos os
problemas ou a fonte de todos os males.
Não pretendo ter a resposta para todos
os questionamentos feitos à família tradicional. Mas tenho a convicção
de que ela continua sendo uma instituição valiosa e insubstituível para a
pessoa e a comunidade humana. Os defeitos e problemas da comunidade
familiar são decorrentes das limitações e condicionamentos das pessoas
que a integram. Cada um contribui com suas qualidades e defeitos. Não há
família perfeita, como não há família sem valores. E não existe solução
cabalística para todos os problemas familiares. As realidades humanas
têm a medida e o alcance da própria condição humana.
A questão é saber se, na vida das
pessoas, existe algo que possa suplantar ou substituir o papel da
família? Sinceramente, não creio que haja. Portanto, é preciso continuar
com a família que temos, fazendo tudo o que nos cabe para torná-la a
melhor possível. A família é um enorme recurso no convívio e pode
proporcionar ao ser humano a realização de suas naturais aspirações:
companhia e experiência da alteridade; afetos, intimidade, amor,
partilha e senso de pertença, cuidado, apoio nas fragilidades e
limitações, aceitação sem reservas, alegria e esperança.
A família precisa ser valorizada por
aquilo que ela é e pode oferecer às pessoas e à sociedade. Um dos
aspectos fundamentais da vida familiar é a comunicação entendida
interação entre pessoas, mais que o uso de recursos técnicos. A
realidade familiar não é feita de unidades justapostas e fechadas sobre
si: ela nasce e existe por um fato de comunicação de pessoas, da
sintonia de afetos, de projetos compartilhados e de esforços somados;
são pessoas que fazem viver e se completam num processo essencial de
comunicação, que nem sempre é verbal.
O papa Francisco fala a importância e
necessidade dessa comunicação vital na sua Mensagem para o Dia Mundial
das Comunicações, celebrado na Igreja no dia 17 de maio próximo: na
família aprendemos a comunicar. A criança comunica ainda no ventre da
mãe, com os afetos que se transmitem mesmo antes do nascimento. No seio
da família, acontece a interação, a acolhida, a reciprocidade e o
confronto com as diferenças; aprendem-se as linguagens verbais e
simbólicas. Na família também se transmitem os códigos de valores que
orientam a vida inteira e ajudam a decifrar os muitos sinais e mensagens
que a existência vai propondo.
A família é fruto da comunicação e, ao
mesmo tempo, padrão de comunicação. Mas ela corre hoje o risco de se
tornar vítima dos novos e poderosos recursos de comunicação. Pode
acontecer que os membros da família reunidos ao redor da mesa, ou na
sala de estar, já não conversam nem se comunicam de pessoa a pessoa:
cada qual navega distante pelas vias da Internet e, quem sabe, procura
algum interlocutor invisível ou imaginário, sem mais conseguir
sintonizar com quem está a seu lado, fechando-se cada vez mais sobre si
mesmo...
Não é sintomático que o casamento e a
família começam a se deteriorar quando a boa comunicação de pessoa a
pessoa deixa de existir? Nada contra esses fantásticos recursos
técnicos: tudo depende do uso que deles fazemos, para que favoreçam a
aproximação das pessoas, e não promovam seu isolamento. Que tal, menos
internet e mais conversa nos encontros familiares? O dia das mães
poderia ser um dessas ocasiões de intensa comunicação de pessoas, que na
vida em família.
Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo (SP) e Presidente do Regional Sul 1 da CNBB
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