No
Dia Internacional da Mulher, 8 de março, a Comissão Episcopal Pastoral
para a Vida e a Família da CNBB e Comissão Nacional da Pastoral Familiar
(CNPF) expressam gratidão a todas as mulheres, mães, esposas, avós. Na
oportunidade, recorda a bela mensagem enviada às mulheres em 1995.
Confira o texto na íntegra:
CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II
ÀS MULHERES
ÀS MULHERES
A vós, mulheres do mundo inteiro,
a minha mais cordial saudação!
a minha mais cordial saudação!
1. A cada uma de vós dirijo esta Carta,
sob o signo da solidariedade e da gratidão, ao aproximar-se a IV
Conferência Mundial sobre a Mulher, que terá lugar em Pequim no próximo
mês de Setembro.
Antes de
mais, desejo exprimir o meu vivo apreço à Organização das Nações
Unidas, que promoveu uma iniciativa de tamanha importância. Também a
Igreja se propõe oferecer a sua contribuição para a defesa da dignidade,
do papel e dos direitos das mulheres, não só através da específica
colaboração da Delegação oficial da Santa Sé nos trabalhos de Pequim,
como também falando directamente ao coração e à mente de todas as
mulheres. Recentemente, por ocasião da visita que a Senhora Gertrudes
Mongella, Secretária Geral da Conferência, me fez tendo em vista
precisamente tão significativo encontro, quis entregar-lhe uma Mensagem,
na qual estão recolhidos alguns pontos fu Deus.
O ponto de partida deste diálogo ideal
não pode ser senão um obrigado. A Igreja — escrevia na Carta apostólica
Mulieris dignitatem — « deseja render graças à Santíssima Trindade pelo
"mistério da mulher" — por toda a mulher — e por aquilo que constitui a
eterna medida da sua dignidade feminina, pelas "grandes obras de Deus"
que, na história das gerações humanas, nela e por seu meio se realizaram
» (n. 31).
2. O obrigado ao Senhor pelo seu
desígnio sobre a vocação e a missão da mulher no mundo, torna-se também
um concreto e directo obrigado às mulheres, a cada mulher, por aquilo
que ela representa na vida da humanidade.
Obrigado a ti, mulher-mãe, que te fazes
ventre do ser humano na alegria e no sofrimento de uma experiência
única, que te torna o sorriso de Deus pela criatura que é dada à luz,
que te faz guia dos seus primeiros passos, amparo do seu crescimento,
ponto de referência por todo o caminho da vida.
Obrigado a ti, mulher-esposa, que unes
irrevogavelmente o teu destino ao de um homem, numa relação de recíproco
dom, ao serviço da comunhão e da vida.
Obrigado a ti, mulher-filha e
mulher-irmã, que levas ao núcleo familiar, e depois à inteira vida
social, as riquezas da tua sensibilidade, da tua intuição, da tua
generosidade e da tua constância.
Obrigado a ti, mulher-trabalhadora,
empenhada em todos os âmbitos da vida social, económica, cultural,
artística, política, pela contribuição indispensável que dás à
elaboração de uma cultura capaz de conjugar razão e sentimento, a uma
concepção da vida sempre aberta ao sentido do « mistério », à edificação
de estruturas económicas e políticas mais ricas de humanidade.
Obrigado a ti, mulher-consagrada, que, a
exemplo da maior de todas as mulheres, a Mãe de Cristo, Verbo
Encarnado, te abres com docilidade e fidelidade ao amor de Deus,
ajudando a Igreja e a humanidade inteira a viver para com Deus uma
resposta « esponsal », que exprime maravilhosamente a comunhão que Ele
quer estabelecer com a sua criatura.
Obrigado a ti, mulher, pelo simples
facto de seres mulher! Com a percepção que é própria da tua
feminilidade, enriqueces a compreensão do mundo e contribuis para a
verdade plena das relações humanas.
3. Mas agradecer não basta, já sei.
Infelizmente, somos herdeiros de uma história com imensos
condicionalismos que, em todos os tempos e latitudes, tornaram difícil o
caminho da mulher, ignorada na sua dignidade, deturpada nas suas
prerrogativas, não raro marginalizada e, até mesmo, reduzida à
escravidão. Isto impediu-a de ser profundamente ela mesma, e empobreceu a
humanidade inteira de autênticas riquezas espirituais. Não seria
certamente fácil atribuir precisas responsabilidades, atendendo à força
das sedimentações culturais que, ao longo dos séculos, plasmaram
mentalidades e instituições. Mas, se nisto tiveram responsabilidades
objectivas, mesmo não poucos filhos da Igreja, especialmente em
determinados contextos históricos, lamento-o sinceramente. Que este
pesar se traduza, para toda a Igreja, num compromisso de renovada
fidelidade à inspiração evangélica que, precisamente no tema da
libertação das mulheres de toda a forma de abuso e de domínio, tem uma
mensagem de perene actualidade, que brota da atitude mesma de Cristo.
Ele, superando as normas em vigor na cultura do seu tempo, teve para com
as mulheres uma atitude de abertura, de respeito, de acolhimento, de
ternura. Honrava assim, na mulher, a dignidade que ela sempre teve no
projecto e no amor de Deus. Ao fixar o olhar n'Ele, no final deste
segundo milénio, vem-nos espontaneamente a pergunta: em que medida a sua
mensagem foi recebida e posta em prática?
Sim, é tempo de olhar, com a coragem da
memória e o sincero reconhecimento das responsabilidades, a longa
história da humanidade, para a qual as mulheres deram uma contribuição
não inferior à dos homens, e a maior parte das vezes em condições muito
mais desfavoráveis. Penso, de modo especial, nas mulheres que amaram a
cultura e a arte, e às mesmas se dedicaram partindo de condições
desvantajosas, excluídas frequentemente de uma educação paritária,
submetidas à inferiorização, ao anonimato e até mesmo à expropriação da
sua contribuição intelectual. Infelizmente, da obra imensa das mulheres
na história, bem pouco restou de significativo com os métodos da
historiografia científica. Mas, por sorte, se o tempo sepultou os seus
vestígios documentais, não é possível não perceber os seus influxos
benfazejos na seiva vital que impregna o ser das gerações, que se foram
sucedendo até à nossa. Relativamente a esta grande, imensa « tradição »
feminina, a humanidade tem uma dívida incalculável. Quantas mulheres
foram e continuam ainda a ser valorizadas mais pelo aspecto físico que
pela competência, pela profissionalidade, pelas obras da inteligência,
pela riqueza da sua sensibilidade e, em última análise, pela própria
dignidade do seu ser!
4. Que dizer também dos obstáculos que,
em tantas partes do mundo, impedem ainda às mulheres a sua plena
inserção na vida social, política e económica? Basta pensar como, com
frequência, é mais penalizado que gratificado o dom da maternidade, à
qual, todavia, a humanidade deve a sua própria sobrevivência.
Certamente, resta ainda muito a fazer para que o ser mulher e mãe não
comporte discriminação. Urge conseguir onde quer que seja a igualdade
efectiva dos direitos da pessoa e, portanto, idêntica retribuição
salarial por categoria de trabalho, tutela da mãe-trabalhadora, justa
promoção na carreira, igualdade entre cônjuges no direito de família, o
reconhecimento de tudo quanto está ligado aos direitos e aos deveres do
cidadão num regime democrático.
Trata-se não só de um acto de justiça,
mas também de uma necessidade. Na política do futuro, os graves
problemas em aberto verão sempre mais envolvida a mulher: tempo livre,
qualidade da vida, migrações, serviços sociais, eutanásia, droga, saúde e
assistência, ecologia, etc. Em todos estes campos, se revelará preciosa
uma maior presença social da mulher, porque contribuirá para fazer
manifestar as contradições de uma sociedade organizada sobre critérios
de eficiência e produtividade, e obrigará a reformular os sistemas a bem
dos processos de humanização que delineiam a « civilização do amor ».
5. Pensando, depois, a um dos aspectos
mais delicados da situação feminina no mundo, como não lembrar a longa e
humilhante história — com frequência, « subterrânea » — de abusos
perpetrados contra as mulheres no campo da sexualidade? No limiar do
terceiro milénio, não podemos permanecer impassíveis e resignados diante
deste fenómeno. Está na hora de condenar vigorosamente, dando vida a
apropriados instrumentos legislativos de defesa, as formas de violência
sexual, que não raro têm a mulher por objecto. Mais, em nome do respeito
pela pessoa, não podemos não denunciar a difusa cultura hedonista e
mercantilista que promove a exploração sistemática da sexualidade,
levando mesmo meninas de menor idade a cair no circuito da corrupção e a
permitir comercializar o próprio corpo.
Por outro lado, diante de tais
perversões, quanto louvor merecem as mulheres que, com amor heróico pela
sua criatura, carregam uma gravidez devida à injustiça de relações
sexuais impostas pela força; e isto não só no quadro das atrocidades
que, infelizmente, se verificam nos contextos de guerras, ainda tão
frequentes no mundo, mas também nas situações de bem-estar e de paz, não
raro viciadas por uma cultura de permissivismo hedonista, na qual
prosperam facilmente também tendências de machismo agressivo. Nestas
condições, a escolha do aborto, que permanece sempre um pecado grave,
antes de ser uma responsabilidade atribuível à mulher, é um crime que
deve ser imputado ao homem e à cumplicidade do ambiente circundante.
6. Assim, o meu « obrigado » às mulheres
converte-se num premente apelo a que, da parte de todos,
particularmente dos Estados e das Instituições Internacionais, se faça o
que for preciso para devolver à mulher o pleno respeito da sua
dignidade e do seu papel. A este respeito, não posso deixar de
manifestar a minha admiração pelas mulheres de boa vontade que se
dedicaram a defender a dignidade da condição feminina, através da
conquista de direitos fundamentais sociais, económicos e políticos, e
assumiram corajosamente tal iniciativa em épocas em que este seu empenho
era considerado um acto de transgressão, um sinal de falta de
feminilidade, uma manifestação de exibicionismo, e talvez um pecado!
Como escrevi na Mensagem para o Dia
Mundial da Paz deste ano, ao contemplar este grande processo de
libertação da mulher, pode-se dizer que « foi um caminho difícil e
complexo e, por vezes, não isento de erros, mas substancialmente
positivo, apesar de ainda incompleto devido a tantos obstáculos que, em
diversas partes do mundo, se interpõem não deixando que a mulher seja
reconhecida, respeitada, valorizada na sua peculiar dignidade » (n. 4).
É preciso continuar neste caminho! Estou
convencido, porém, que o segredo para percorrer diligentemente a
estrada do pleno respeito da identidade feminina não passa só pela
denúncia, apesar de necessária, das discriminações e das injustiças, mas
também, e sobretudo, por um eficaz e claro projecto de promoção, que
englobe todos os âmbitos da vida feminina, a partir de uma renovada e
universal tomada de consciência da dignidade da mulher. Ao
reconhecimento desta, não obstante os múltiplos condicionalismos
históricos, leva-nos a própria razão, que capta a lei de Deus inscrita
no coração de cada homem. Mas é sobretudo a Palavra de Deus, que nos
permite identificar com clareza o radical fundamento antropológico da
dignidade da mulher, apontando-o no desígnio de Deus sobre a humanidade.
7. Permiti-me, pois, caríssimas irmãs,
que juntamente convosco, medite uma vez mais aquela página bíblica
maravilhosa que mostra a criação do homem, e na qual se exprime bem a
vossa dignidade e missão no mundo.
O Livro do Génesis fala da criação, de
modo sintético e com linguagem poética e simbólica, mas profundamente
verdadeira: « Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus;
Ele os criou varão e mulher » (Gn 1, 27). O acto criador de Deus
desenvolve-se segundo um preciso projecto. Antes de mais, diz que o
homem é criado « à imagem e semelhança de Deus » (cf. Gn 1, 26),
expressão que esclarece logo a peculiaridade do homem no conjunto da
obra da criação.
Depois, diz que ele, desde o início, é
criado como « varão e mulher » (Gn 1, 27). A mesma Sagrada Escritura
fornece a interpretação deste dado: o homem, mesmo encontrando-se
rodeado pelas inumeráveis criaturas do mundo visível, dá-se conta de
estar só (cf. Gn 2, 20). Deus intervém para fazê-lo sair desta situação
de solidão: « Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma
auxiliar semelhante a ele » (Gn 2, 18). Portanto, na criação da mulher
está inscrito, desde o início, o princípio do auxílio: auxílio — note-se
— não unilateral, mas recíproco. A mulher é o complemento do homem,
como o homem é o complemento da mulher: mulher e homem são entre si
complementares. A feminilidade realiza o « humano » tanto como a
masculinidade, mas com uma modulação distinta e complementar.
Quando o Génesis fala de « auxiliar »,
não se refere só ao âmbito do agir, mas também do ser. Feminilidade e
masculinidade são entre si complementares, não só do ponto de vista
físico e psíquico, mas também ontológico. Só mediante a duplicidade do «
masculino » e do « feminino », é que o « humano » se realiza
plenamente.
8. Depois de criar o homem, varão e
mulher, Deus diz a ambos: « Enchei e dominai a terra » (Gn 1, 28). Não
lhes confere só o poder de procriar para perpetuar no tempo o género
humano, masconfia-lhes também a terra como tarefa, comprometendo-os a
administrar os seus recursos com responsabilidade. O homem, ser livre e
racional, é chamado a transformar a face da terra. Nesta tarefa, que é
essencialmente a obra da cultura, tanto o homem como a mulher têm, desde
o início, igual responsabilidade. Na sua reciprocidade esponsal e
fecunda, na sua tarefa comum de dominar e submeter a terra, a mulher e o
homem não reflectem uma igualdade estática e niveladora, mas tampouco
comportam uma diferença abissal e inexoravelmente conflituosa: a sua
relação mais natural, conforme ao desígnio de Deus, é a « unidade dos
dois », ou seja, uma « unidualidade » relacional, que permite a cada um
de sentir a relação interpessoal e recíproca como um dom enriquecedor e
responsabilizador.
A esta « unidade dos dois », está
confiada por Deus não só a obra da procriação e a vida da família, mas a
construção mesma da história. Se durante o Ano Internacional da
Família, celebrado em 1994, a atenção se concentrou sobre a mulher como
mãe, a Conferência de Pequim torna-se ocasião propícia para uma nova
tomada de consciência da múltipla contribuição que a mulher oferece à
vida inteira das sociedades e nações. É uma contribuição, inicialmente
de natureza espiritual e cultural, mas também sócio-política e
económica. Devem realmente muito ao subsídio da mulher, os vários
sectores da sociedade, os Estados, as culturas nacionais, e, em última
análise, o progresso de todo o género humano!
9. Normalmente, o progresso é avaliado
segundo categorias técnicas e científicas; ora, até sob este ponto de
vista, não falta a contribuição da mulher. Mas, essas não são as únicas
dimensões do progresso, antes, não são sequer as principais. Mais
importante ainda é a dimensão ético-social, que diz respeito às relações
humanas e aos valores do espírito: e, nesta dimensão, frequentemente
desenvolvida sem alarde, a partir das relações quotidianas entre as
pessoas, especialmente dentro da família, a sociedade é em larga medida
devedora, precisamente ao « génio da mulher ».
A este respeito, gostaria de manifestar
particular gratidão às mulheres empenhadas nos mais distintos sectores
da actividade educativa, para além da família: infantários, escolas,
universidades, instituições de assistência, paróquias, associações e
movimentos. Onde quer que se revele necessário um trabalho de formação,
pode-se constatar a imensa disponibilidade das mulheres a dedicarem-se
às relações humanas, especialmente em prol dos mais débeis e indefesos.
Nesse trabalho, elas realizam uma forma de maternidade afectiva,
cultural e espiritual, de valor realmente inestimável, pela incidência
que tem no desenvolvimento da pessoa e no futuro da sociedade. E como
não lembrar aqui o testemunho de tantas mulheres católicas e de tantas
Congregações religiosas femininas, que, nos vários continentes, fizeram
da educação, especialmente dos meninos e meninas, o seu principal
serviço? Como não pensar com espírito de gratidão a todas as mulheres
que operaram, e continuam a fazê-lo, no campo da saúde, não só no âmbito
das instituições sanitárias bem organizadas, mas, com frequência, em
circunstâncias muito precárias, nos países mais pobres do mundo, dando
um testemunho de disponibilidade que toca não raro o martírio?
10. Faço votos pois, caríssimas irmãs,
que se reflicta com particular atenção sobre o tema do « génio da mulher
», não só para nele reconhecer os traços de um preciso desígnio de
Deus, que há-de ser acolhido e honrado, mas também para lhe dar mais
espaço no conjunto da vida social, bem como da vida eclesial.
Precisamente sobre este tema, de resto já considerado por ocasião do Ano
Mariano, pude deter-me amplamente na mencionada Carta apostólica
Mulieris dignitatem, publicada em 1988. Além disso, este ano, por
ocasião da Quinta-Feira Santa, quis unir idealmente a Mulieris
dignitatem à habitual Carta que envio aos sacerdotes convidando-os a
reflectirem sobre o significativo papel que na sua vida desempenha a
mulher como mãe, como irmã e como colaboradora nas obras de apostolado.
Esta é outra dimensão — distinta da conjugal, mas importante também —
daquele « auxílio » que a mulher, segun do o Génesis, é chamada a
prestar ao homem.
A Igreja vê, em Maria, a máxima
expressão do « génio feminino » e encontra n'Ela uma fonte incessante de
inspiração. Maria definiu-Se « serva do Senhor » (cf. Lc 1, 38). É por
obediência à Palavra de Deus que Ela acolheu a sua vocação privilegiada,
mas nada fácil, de esposa e mãe da família de Nazaré. Pondo-Se ao
serviço de Deus, Ela colocou-Se também ao serviço dos homens: um serviço
de amor. Este mesmo serviço permitiu-Lhe realizar na sua vida a
experiência de um misterioso, mas autêntico « reinar ». Não é por acaso
que é invocada como « Rainha do céu e da terra ». Assim a invoca toda a
comunidade dos crentes; invocam-na como « Rainha » muitas nações e
povos. O seu « reinar » é servir! O seu servir é « reinar »!
Assim deveria ser entendida a
autoridade, tanto na família, como na sociedade e na Igreja. O « reinar »
é revelação da vocação fundamental do ser humano, enquanto criado à «
imagem » d'Aquele que é Senhor do céu e da terra, e chamado a ser em
Cristo seu filho adoptivo. O homem é a única criatura sobre a terra « a
ser querida por Deus por si mesma », como ensina o Concílio Vaticano II,
o qual, de modo significativo, acrescenta que o homem « não se pode
encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo » (Gaudium et
spes, 24).
Nisto consiste o materno « reinar » de
Maria. Tendo-Se feito, com todo o seu ser, dom para o seu Filho, Ela
veio a tornar-Se também dom para os filhos e filhas de todo o género
humano, gerando uma profundíssima confiança em quem a Ela recorre para
ser guiado pelos caminhos difíceis da vida até ao próprio destino
definitivo e transcendente. Cada um chega através das etapas da própria
vocação a esta meta final, uma meta que orienta o empenho na história
tanto do homem como da mulher.
11. Neste horizonte de « serviço » —
que, se prestado com liberdade, reciprocidade e amor, exprime a
verdadeira « realeza » do ser humano — é possível acolher também, sem
consequências desfavoráveis para a mulher, uma certa diversidade de
papéis, na medida em que tal diversidade não é fruto de arbitrária
imposição, mas brota da peculiaridade do ser masculino e feminino. É um
tema que tem a sua específica aplicação, mesmo no seio da Igreja. Se
Cristo — por escolha livre e soberana, bem testemunhada no Evangelho e
na constante tradição eclesial — confiou somente aos homens a tarefa de
ser « ícone » da sua imagem de « pastor » e « esposo » da Igreja através
do exercício do sacerdócio ministerial, isto em nada diminui o papel da
mulher, como afinal sucede com os outros membros da Igreja não
investidos do sagrado ministério, já que todos são igualmente dotados da
dignidade própria do « sacerdócio comum », radicado no Baptismo. Tais
distinções de papéis, com efeito, não devem ser interpretadas à luz dos
cânones em uso nas sociedades humanas, mas com os critérios específicos
da economia sacramental, ou seja, daquela economia de « sinais »
livremente escolhidos por Deus para Se fazer presente no meio dos
homens.
De resto, precisamente na linha desta
economia de sinais, mesmo se fora do âmbito sacramental, não é de pouca
importância a « feminilidade » vivida segundo o sublime modelo de Maria.
Há, de facto, na « feminilidade » da mulher crente, e especialmente da
mulher « consagrada », uma espécie de « profecia » imanente (cf.
Mulieris dignitatem, 29), um simbolismo fortemente evocador, dir-se-ia
uma sugestiva « iconicidade », que se realiza plenamente em Maria e
exprime bem o ser mesmo da Igreja, enquanto comunidade consagrada com a
dimensão de absoluto de um coração « virgem », para ser « esposa » de
Cristo e « mãe » dos crentes. Nesta perspectiva de complementaridade «
icónica » dos papéis masculino e feminino, ficam mais em evidência duas
dimensões imprescindíveis da Igreja: o princípio « mariano », e o
princípio « apostólico-petrino » (cf. ibid., 27).
Por outro lado — lembrei-o aos
sacerdotes na mencionada Carta da Quinta-Feira Santa deste ano —, o
sacerdócio ministerial, no desígnio de Cristo, « não é expressão de
domínio, mas de serviço » (n. 7). É tarefa urgente da Igreja, na sua
renovação quotidiana à luz da Palavra de Deus, pô-lo sempre mais em
evidência, quer no desenvolvimento do espírito de comunhão e na promoção
atenta de todos os instrumentos tipicamente eclesiais da participação,
quer através do respeito e valorização dos inúmeros carismas pessoais e
comunitários, que o Espírito de Deus suscita para edificação da
comunidade cristã e serviço dos homens.
Neste amplo espaço de serviço, a
história da Igreja nestes dois milénios, apesar de tantos
condicionalismos, conheceu realmente o « génio da mulher », tendo visto
surgir no seu seio mulheres de primária grandeza, que deixaram amplos e
benéficos vestígios de si no tempo. Penso na longa série de mártires, de
santas, de místicas insignes. Penso, de modo especial, em Santa
Catarina de Sena e em Santa Teresa de Ávila, a quem o Papa Paulo VI, de
venerável memória, conferiu o título de Doutora da Igreja. E como não
lembrar também tantas mulheres que, impelidas pela fé, deram vida a
iniciativas de extraordinário relevo social, especialmente ao serviço
dos mais pobres? O futuro da Igreja, no terceiro milénio, não deixará
certamente de registar novas e esplêndidas manifestações do « génio
feminino ».
12. Vede, portanto, caríssimas irmãs,
quantos motivos tem a Igreja para desejar que, na próxima Conferência,
promovida em Pequim pelas Nações Unidas, se ponha em evidência a verdade
plena sobre a mulher. Seja colocado realmente em devido relevo o «
génio da mulher », tendo em conta não somente as mulheres grandes e
famosas, do passado ou nossas contemporâneas, mas também as mulheres
simples, que exprimem o seu talento feminino com o serviço aos outros na
normalidade do quotidiano. De facto, é no doar-se aos outros na vida de
cada dia, que a mulher encontra a profunda vocação da própria vida, ela
que talvez mais que o próprio homem vê o homem, porque o vê com o
coração. Vê-o independentemente dos vários sistemas ideológicos e
políticos. Vê-o na sua grandeza e nos seus limites, procurando ir ao seu
encontro e ser-lhe de auxílio. Deste modo, realiza-se na história da
humanidade o fundamental desígnio do Criador e aparece à luz
incessantemente, na variedade das vocações, a beleza — não só física,
mas sobretudo espiritual — que Deus prodigalizou desde o início à
criatura humana e especialmente à mulher.
Ao mesmo tempo que, na minha oração,
confio ao Senhor o bom êxito do importante encontro de Pequim, convido
as comunidades eclesiais a fazer do ano em curso ocasião para uma
profunda acção de graças ao Criador e ao Redentor do mundo precisamente
pelo dom de um bem tão grande como é o da feminilidade: esta, nas suas
múltiplas expressões, pertence ao património constitutivo da humanidade e
da mesma Igreja.
Que Maria, Rainha do amor, vele pelas mulheres e pela sua missão ao serviço da humanidade, da paz, da difusão do Reino de Deus!
Com a minha Bênção Apostólica.
Vaticano, 29 de Junho de 1995, solenidade dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo.
JOÃO PAULO PP. II
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