Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
Nas Câmaras de Vereadores de São Paulo e
de todos os municípios do Brasil tramitam projetos de lei para
instituir os Planos Municipais de Educação (PME) para o próximo decênio.
Tais projetos de lei são de capital importância para a educação e
buscam adequar os Planos Municipais às metas e estratégias apresentadas
pelo Plano Nacional de Educação conforme a lei 13.005/14.
Tendo em vista a relevância da questão, é
importante que a população acompanhe a discussão desses projetos de lei
em suas comunidades e se manifeste aos Vereadores sobre as questões
envolvidas nos Planos Municipais de Educação. Ninguém duvida da
importância primária da educação para a formação dos cidadãos e no
convívio social. Numa cidade das dimensões de São Paulo, por exemplo,
com enorme quantidade de crianças, adolescentes e jovens em idade
escolar, certamente é necessário que haja um marco legislativo para a
atuação do poder público nessa área. Mas os pais e as famílias deveriam
ser os primeiros interessados em participar dessa discussão. Será que
foram ouvidos?
Acompanhando a tramitação do projeto de
lei do PME na Câmara de Vereadores de São Paulo, devo reconhecer o
esforço dos Vereadores para assegurar uma educação de qualidade a todas
as crianças, adolescentes e jovens do município. Entretanto, desejo
tecer alguns comentários sobre a chamada "ideologia de gênero", que se
pretende inserir nos Planos Municipais de Educação.
É fundamental que pais e educadores
estejam bem alertas para o conteúdo dessa ideologia, que faz uso de
conceitos ambíguos e passa uma percepção confusa das questões ligadas à
sexualidade (gênero, identidade de gênero, diversidade sexual, opção
sexual...), dificultando um debate sério e escolhas legislativas claras e
responsáveis. A ideologia de gênero pressupõe o esvaziamento dos
conceitos de homem e mulher, masculino e feminino, ao veicular a ideia
de que o sexo biológico e físico seria um dado irrelevante, do qual
seria necessário libertar-se para construir uma "identidade de gênero"
livre e arbitrária. A identidade sexual e de gênero seria, pois, fruto
de uma elaboração subjetiva e voluntarista de cada pessoa. A meu ver,
isso é uma forma narcisista de afirmar a subjetividade, incapaz de se
confrontar com as realidades objetivas, fora da sua vontade de poder...
Essa pretensão, porém, é insustentável
do ponto de vista filosófico, uma vez que ela desconsidera os
fundamentos antropológicos objetivos da sexualidade humana; um deles é a
corporeidade, com todas as suas dimensões. Mas também é uma falsidade
evidente do ponto de vista científico, uma vez que contradiz os dados
observáveis da realidade. Por que não levar a sério, na formação da
autoconsciência dos indivíduos, a sua realidade biológica objetiva,
quando a ciência leva tanto a sério essa mesma natureza biológica do ser
humano?!
Há quem pense, no entanto, que a
ideologia de gênero seria uma forma de proteger as mulheres e os
homossexuais e que a introdução dessa ideologia na legislação
educacional traria um grande avanço em relação à proteção dos direitos
humanos. No entanto, o equívoco fica patente quando se constata que, na
ideologia de gênero, não há lugar para conceitos definidos de, homem,
mulher ou de homossexual, nem para nenhuma outra identidade abstrata. Na
verdade, o "gênero" é tido pelos seus ideólogos como uma construção
arbitrária de cada um, não havendo justificativa para nenhuma
categorização nessa matéria. No fundo, existiriam tantos gêneros quantos
são os indivíduos. Com semelhante ideologia, os próprios movimentos
feministas e homossexuais perderiam sua razão de ser.
Na educação, a ideologia de gênero traz
diversos inconvenientes. Nas crianças e adolescentes, ela gera confusão
no processo de formação de sua identidade pessoal; pode despertar uma
"sexualização" precoce e promíscua, na medida em que a ideologia de
gênero propugna por uma diversidade de experiências sexuais em vista da
formação do próprio gênero. Além disso, essa ideologia poderia abrir um
caminho perigoso para a legitimação da pedofilia, uma vez que a
orientação pedófila também poderia ser considerada um tipo de gênero. É
sabido que a banalização da sexualidade humana leva ao aumento dos
índices de violência sexual.
Enfim, a autoridade dos pais em matéria
de educação dos filhos fica usurpada, principalmente em temas de moral e
sexualidade, já que as crianças serão submetidas à influência da citada
ideologia, por conta do Estado; muitas vezes, sem o conhecimento e sem o
consentimento dos pais. Vale, portanto, um alerta para pais e
educadores: a adoção da ideologia de gênero no Plano Municipal de
Educação poderia resultar em graves distorções e danos na educação, sem
trazer benefícios concretos a ninguém; nem mesmo, nos casos em que
crianças vivem dramas profundos relacionados com a sexualidade: esses
dramas não serão resolvidos com a introdução, no ordenamento jurídico,
de conceitos que buscam abolir todas as diferenças naturais entre as
pessoas; ao contrário, produzirão lacerações interiores ainda mais
profundas.
Encerro, enfatizando uma verdade já há
muito conhecida, mas olvidada com frequência: a família é a instituição
educadora por excelência. A escola pode exercer um papel importante,
tanto do ponto de vista da formação integral quanto da socialização dos
indivíduos; mas seu papel é supletivo. A família, no entanto, em seu
ambiente de amor e afeto, passa à criança a noção de valores e as
condições necessárias para o seu sadio amadurecimento. Portanto, o
investimento na educação seria bem melhor aplicado se o Estado somasse
esforços com as famílias, em vez de se sobrepor a elas, na educação dos
filhos.
Fonte: O São Paulo (imagem ilustrativa, da internet)
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