Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
A expressão “Igreja em saída”, utilizada
pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho,
significa uma Igreja de portas abertas para acolher e, ao mesmo tempo,
pronta para ir ao encontro do outro, capaz de chegar às periferias
humanas. Nesse horizonte, o Documento de Aparecida, fruto da 5ª
Conferência Latino-americana e Caribenha dos Bispos da Igreja Católica,
sublinha a urgência de um despertar missionário, na forma de Missão
Continental. A compreensão de uma “Igreja em saída”, em estado
permanente de missão, decididamente depende da vivência do Evangelho,
sempre Boa-Nova. Necessita de homens e mulheres renovados, que vivenciem
essa tradição e novidade como discípulos de Jesus Cristo.
O núcleo central é, portanto, a fé no
Deus amor. Eis o desafio: saber tratar a fé à luz da Palavra de Deus,
instância com força de correção diante das complexidades da vida
contemporânea. Desse modo, é possível tocar o núcleo existencial de cada
pessoa e, assim, promover qualificação, constituir sólido alicerce para
escolhas que garantam a fecundidade de uma cidadania civil e eclesial.
Muitas são as dificuldades enfrentadas hoje pela Igreja Católica,
desafiada a dar novas respostas. Isso não se resume simplesmente à
análise de dados estatísticos envolvendo perda de fiéis ou a verificação
de trânsito religioso. Para além de números, embora eles sejam
importantes indicadores na avaliação de processos, o desafio reside no
fortalecimento da capacidade para ajudar cada pessoa a qualificar sua
dimensão existencial.
As dinâmicas de evangelização na Igreja
estão girando entre polarizações - como as próprias do pentecostalismo e
aquelas já morridas do racionalismo. Urgente é uma “Igreja em saída”,
que eleja como meta as periferias humanas, sem desconsiderar as
periferias geográficas. Para isso, conforme sublinha o Papa Francisco,
são necessárias transformações de costumes, estilos, horários e de toda a
linguagem eclesial. A autopreservação, no dizer do Papa, ou pastoral de
conservação, desenha a enorme barreira que atrasa ou impede a esperada
resposta.
Assim, estruturas eclesiais que
condicionam o dinamismo evangelizador precisam ser renovadas para que a
Igreja possa, cada vez mais, ajudar o mundo a superar seus desafios.
Esse passo de conversão e essa resposta não são alcançados apenas pela
reafirmação conceitual das verdades intocáveis que definem a fé cristã,
sua vivência e testemunho. Almeja-se uma nova e inadiável consideração
da dimensão existencial do ser humano, para fortalecer a centralidade da
fé vivida e professada. Nesse caminho, por meio da Palavra de Deus,
será possível qualificar cada pessoa. O primeiro passo é uma
revitalização no modo de ser cristão-católico e, consequentemente,
avaliar melhor as escolhas pessoais. Não basta investir conceitualmente
em mudanças de configurações organizacionais sistêmicas no conjunto dos
funcionamentos das estruturas eclesiais. O que precisa ser priorizado é o
existencial humano, aprisionado pelo individualismo, dominado
exclusivamente por emoções e devocionismos tortos, ou presidido pela
hegemonia de uma autonomia que cega, impossibilitando o gosto
transformador e libertador de crer.
A luta que atrasa esperados avanços rumo
à meta de uma “Igreja em saída” requer urgente substituição de modelos,
mentalidades e entendimentos engessados. A prioridade é o dom do
encontro com Jesus Cristo pela escuta e vivência da Palavra de Deus.
Oportuno é lembrar o que diz o Documento de Aparecida: “Nossa maior
ameaça é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, na qual,
aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se
desgastando e degenerando em mesquinhez”. Diante dos modelos obsoletos
que presidem práticas pastorais e vivências eclesiais e da fé, vale a
advertência poética de Fernando Pessoa: “Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas, que já têm a forma de nosso corpo, e
esquecer os nossos caminhos que nos levam aos mesmos lugares”. Ora,
continua ele dizendo, “é tempo de travessia, e se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Esse é o desafio!
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