Depois
do histórico pronunciamento no Congresso dos Estados Unidos, em
Washington, esta sexta-feira o Papa Francisco cumpriu mais uma etapa
marcante desta sua viagem apostólica ao discursar na sede das Nações
Unidas, em Nova Iorque.
Diante de mais de 170 chefes de Estado e
de governo, do Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, o Pontífice
definiu a sua visita como uma continuação daquelas realizadas por seus
predecessores: Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI.
Francisco reconheceu o esforço das
Nações Unidas em dar uma resposta jurídica e política às complexas
situações mundiais. "Apesar de serem muitos os problemas graves por
resolver, todavia é seguro e evidente que, se faltasse toda esta
atividade internacional, a humanidade poderia não ter sobrevivido ao uso
descontrolado das suas próprias potencialidades", constatou o Papa.
O Pontífice falou ainda dos órgãos com
capacidade executiva real, como o Conselho de Segurança e Organismos
Financeiros Internacionais. Estes, todavia, devem velar pelo
desenvolvimento sustentável dos países, e não sufocá-los com sistemas de
crédito que levam as populações a maior pobreza, exclusão e
dependência.
"Dar a cada um o que lhe é devido,
segundo a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo
ou grupo humano se pode considerar omnipotente, autorizado a pisar a
dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais."
Laudato si
Todo o pronunciamento de Francisco foi
inspirado nas reflexões propostas em sua Encíclica Laudato si. O Papa
reforçou dois direitos: o direito à existência da natureza e os direitos
da pessoa humana.
"Qualquer dano ao meio ambiente é um
dano à humanidade. (...) O abuso e a destruição do meio ambiente
aparecem associados com um processo ininterrupto de exclusão. Na
verdade, uma ambição egoísta e ilimitada de poder e bem-estar material
leva tanto a abusar dos meios materiais disponíveis, como a excluir os
fracos e os menos hábeis. A exclusão econômica e social é uma negação
total da fraternidade humana e um atentado gravíssimo aos direitos
humanos e ao ambiente."
Cultura do descarte
O Pontífice recordou que os mais pobres
são aqueles que mais sofrem esses ataques: são descartados pela
sociedade, obrigados a viver de desperdícios e sofrer injustamente as
consequências do abuso do ambiente.
Como sinais de esperança, o Papa citou a
adoção da «Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável», que a
Assembleia Geral começa a debater esta sexta-feira, e a Conferência de
Paris sobre as alterações climáticas.
Todavia, advertiu, os compromissos
solenemente assumidos não são suficientes. A vontade política, segundo
Francisco, deve ser efetiva, prática e constante para preservar o meio
ambiente e superar fenômenos como tráfico de seres humanos, drogas e
armas, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo e
terrorismo.
Já as vítimas devem se encontrar em
condição de serem protagonistas do seu próprio destino. E a chave para
fazê-lo é a educação de meninos e meninas, que são excluídas em alguns
lugares.
Francisco ofereceu ainda os indicadores
mínimos para que todos vivam com dignidade. Em nível material, são casa,
trabalho e terra. Em nível espiritual, é a liberdade do espírito, que
inclui a liberdade religiosa, o direito à educação e os outros direitos
civis.
Conflitos
A guerra, acrescentou o Pontífice, é a
negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente. A
experiência destes setenta anos de existência das Nações Unidas mostram
tanto a eficácia da plena aplicação das normas internacionais, como a
ineficácia da sua inobservância. Se respeitada, a Carta das Nações
Unidas produz paz. Mas se aplicada quando convém, abre-se uma verdadeira
"caixa de Pandora" com forças incontroláveis, que prejudicam seriamente
as populações inermes, o ambiente cultural e também o ambiente
biológico.
Francisco condenou a proliferação das
armas, especialmente as de destruição em massa e as armas nucleares, por
contradizer o princípio pacificador da ONU. A corrida armamentista
levaria a instituição a se chamar "Nações Unidas pelo medo e a
desconfiança". "É preciso trabalhar por um mundo sem armas nucleares,
aplicando plenamente, na letra e no espírito, o Tratado de
Não-Proliferação para se chegar a uma proibição total destes
instrumentos."
O Papa renovou seu apelo por uma solução
pacífica dos conflitos, principalmente em Ucrânia, Síria, Iraque,
Líbia, Sudão do Sul e na região dos Grandes Lagos. "Antes dos interesses
de parte, existem rostos concretos. Nas guerras e conflitos, existem
pessoas, nossos irmãos e irmãs, que choram, sofrem e morrem. Seres
humanos que se tornam material de descarte, enquanto nada mais se faz
senão enumerar problemas, estratégias e discussões."
Narcotráfico
Francisco denunciou ainda a morte
silenciosa de milhões de pessoas provocada pelo narcotráfico. "Uma
guerra financiada e pobremente combatida. O narcotráfico, por sua
própria natureza, é acompanhado pelo tráfico de pessoas, lavagem de
dinheiro, tráfico de armas, exploração infantil e outras formas de
corrupção. Corrupção que penetrou nos diferentes níveis da vida social,
política, militar, artística e religiosa, gerando, em muitos casos, uma
estrutura paralela que põe em perigo a credibilidade das nossas
instituições."
Futuro
Para concluir o seu discurso, o Papa
citou Paulo VI, para que as suas palavras sejam uma continuação do que
foi dito na Assembleia 50 anos atrás: "Eis chegada a hora em que se
impõe uma pausa, um momento de recolhimento, de reflexão, quase de
oração: pensar de novo na nossa comum origem, na nossa história, no
nosso destino comum".
E deixou o seu apelo às lideranças
mundiais: "O tempo presente convida-nos a privilegiar acões que possam
gerar novos dinamismos na sociedade e frutifiquem em acontecimentos
históricos importantes e positivos. Não podemos permitir-nos o adiamento
de 'algumas agendas' para o futuro. O futuro exige-nos decisões
críticas e globais face aos conflitos mundiais que aumentam o número dos
excluídos e necessitados". (BF)
Nenhum comentário:
Postar um comentário