O SÃO PAULO – O que o Papa quis dizer quando afirmou que católico não deve "procriar feito coelho"?
Padre Rafael Fornasier – Para quem
honestamente seguiu o fio das declarações do Papa Francisco durante e
logo após sua viagem à Ásia, esta expressão não indica nem oposição às
famílias numerosas nem muito menos concessão aos métodos artificiais de
contracepção. A expressão apareceu durante a entrevista do Papa no voo
de volta de sua viagem, num tom bastante coloquial. Ela se insere no
contexto mais amplo da abertura à vida na vida conjugal, como realização
humana – pessoa e social – e espiritual. Sobre essa abertura à vida, o
Papa se pronunciou há alguns meses, ao apontar que o Matrimônio é
fundado sobre a fidelidade, a perseverança e a fecundidade. E fez
críticas à mentalidade contemporânea do bem-estar utilitarista que
exclui os filhos (em inglês Double Income, No Kids - DINKS).
Valorizando, inclusive, o Beato Paulo VI, certo?
O Papa tem retomado várias vezes a
figura do Beato Paulo VI como profética, ao se opor, na Encíclica
Humanae Vitae, a um controle de natalidade permeado de interesses
escusos, que não visa realmente o bem da família. Em seu discurso às
famílias em Manila, em sua audiência ao retornar de sua viagem, e,
recentemente, na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, o
Papa afirmou enfaticamente o fato que a família é um recurso e um bem
para a sociedade. E que a família numerosa não é o problema da pobreza
na Ásia ou em qualquer outro lugar, mas, é "um sistema econômico que
exclui" o causador da pobreza. Somente neste contexto, e em relação a
uma adequada noção de paternidade responsável, se pode entender por que o
Papa afirma que, para ser um bom católico, não há um dever cristão de
procriação em série.
Qual o significado de paternidade responsável?
O número 10 da Humanae Vitae diz o
seguinte: "Em relação às condições físicas, econômicas, psicológicas e
sociais, a paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação
ponderada e generosa de fazer crescer uma família numerosa, como com a
decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de
evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo
nascimento." Portanto, a paternidade responsável é a justa e generosa
ponderação, diante das condições físicas, econômicas, psicológicas e
sociais, sobre a acolhida ou não de mais vidas no seio da família. Pode
levar muitas famílias a decidir por muitos filhos, como também a
evitá-los, mesmo por tempo indeterminado (que pode durar toda a vida do
casal), por razões graves ligadas àquelas condições elencadas acima.
Os métodos naturais não fazem, também, com que a relação sexual se feche para a vida?
A doutrina da Igreja sobre a paternidade
responsável, desde a Humanae vitae até as atuais declarações do Papa
Francisco, propõe uma regulação da natalidade segundo o ritmo natural da
fecundidade humana. Tal regulação da natalidade passou a ser vivida por
muitos católicos em todo o mundo através dos chamados métodos naturais,
dentre eles, o mais amplamente divulgado e empregado é o método de
Billings, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e proposto
também pelo Ministério da Saúde do Brasil. Tais métodos (Billings,
temperatura basal, cristalização da saliva, toque do colo do útero etc.)
têm grande respaldo científico e são aplicados e indicados por milhares
de ginecologistas e outros profissionais da saúde. Contudo, em todo o
mundo, estudantes de medicina e profissionais da saúde, bem como
famílias que querem empregar esses métodos, reclamam do fato deles serem
tratados com desprezo e até ridicularização por parte de professores,
outros profissionais da saúde e famílias que usam métodos
contraceptivos.
Que explicação o senhor daria para esse preconceito?
A primeira constatação a ser feita sobre
esses tipos de reação é o grande desconhecimento (inclusive de
professores universitários) de tais métodos. A segunda é o enorme
interesse financeiro que existe por trás da venda dos contraceptivos.
Por fim, cabe ressaltar que a orientação sexual veiculada por muitos
meios de comunicação e escolas está centrada quase que somente no
prazer, por meio de mensagem contraceptiva e sanitarista. Por outro
lado, os métodos naturais propõem que se vá além: englobando um esforço
contínuo de amadurecimento afetivo-sexual, eles buscam a
responsabilidade da relação sexual no horizonte de um projeto a dois e
de família. Deixam o casal sempre abertos à vida, mesmo quando se unem
durante os períodos inférteis da mulher. Ou seja, eles não incidem na
fertilidade do casal, como o fazem os métodos contraceptivos, mas apenas
respeitam o ritmo biológico que se abre e se fecha a vida. Como disse o
Papa Francisco, esses são "soluções lícitas". Isso é a paternidade
responsável. "Isto é claro e por isso, na Igreja, há os movimentos
matrimoniais, há os especialistas no assunto, há os pastores, e
investiga-se." Todos são capazes de serem acompanhados e formados nesse
caminho.
Mas com a cultura atual, os jovens conseguem seguir essa orientação?
Dizer que isso é impossível para os
casais jovens da atualidade é desconhecer que muitos o praticam e o
transmitem, com grande fiabilidade e respaldo científico, como já
dissemos. Querer também impor os métodos de uma hora para outra na vida
conjugal de muitos casais católicos que não o vivem também é um erro
segundo a moral cristã. O aprendizado exige crescimento gradual (lei da
gradualidade) com o auxílio dos outros e a graça de Deus, para quem
assim o acredita. A mensagem sobre os métodos naturais ainda é muito
desconhecida por pastores, religiosos e leigos, em grande parte devido
ao preconceito que sofre. Caminhar com os jovens namorados, com os
jovens casais ou casais com alguns anos de vida requer abertura e
paciência para se adentrar no tema, que pode ser compreendido e vivido.
Por Rafael Alberto / Arquidiocese de São Paulo
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