Dom Caetano Ferrari
Diocese de Bauru
Como principal sentido, segundo o mestre
Houaiss, a palavra “encantamento” pode ser traduzida como
deslumbramento, forte emoção ou êxtase, grande admiração ou prazer que
se tem diante do que se vê, se ouve, se sente. Por exemplo, quando se vê
uma bela paisagem, se ouve uma boa música, se encontra com uma pessoal
simpática, se vive uma experiência extraordinária reveladora de sentido,
renovadora ou transformadora de vida. Como exemplo de encantamento cito
Fernando Pessoa, que acabo de ler na Folhinha do Sagrado Coração de
Jesus, que confessou: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o
vento passar, vale a pena ter nascido”. Por isso, fala-se tanto hoje da
“arte de encantar-se” como um aprendizado importante para ser feliz e
bem viver. Uma vida em que falte o encantamento é uma vida melancólica,
sombria.
Naturalmente não existe um viver
permanentemente sob a emoção do “encantamento”. Contudo, o elemento
tempo faz parte dessa experiência, ela deve impactar a vida por um bom
tempo, então, o tempo conta muito; a duração do efeito deve-se mais pelo
teor da qualidade do impacto do que pela sua quantidade. Uma emoção
ainda que intensa, mas instantânea que logo passe e dela se esqueça,
isto é, de baixo valor, pouco ou nada marcará a vida.
O apóstolo Lucas conta no Evangelho da
Missa de hoje - Lc 19, 1-10 - o encontro entre um chefe dos cobradores
de impostos, muito rico, chamado Zaqueu, e Jesus Cristo, ocorrido num
certo dia em que Jesus tinha entrado na cidade de Jericó. A história é
muito conhecida e tem sido comentada em prosa e verso exatamente pela
exemplaridade desse encontro, como um momento de encantamento que
revolucionou a vida de Zaqueu. Resumidamente, Zaqueu é aquele homem que
ouvira falar de Jesus e desejava ver quem era Jesus, mas, sendo de
pequena estatura, não conseguia vê-lo por causa da multidão. Então, ele
seguiu à frente e subiu numa figueira sob a qual Jesus passaria. Jesus,
quando chegou à figueira, olhou para cima e disse: “Zaqueu, desce
depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa”. Mais do que esperava, Zaqueu
desceu correndo e com alegria recebeu Jesus em sua casa. Ao ver isso,
grande parte do povo murmurava escandalizada porque Jesus fora
hospedar-se na casa de um pecador. Já em casa, Zaqueu, abrindo o seu
coração, disse a Jesus: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos
pobres e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”.
Respondendo, Jesus afirmou: “Hoje a salvação entrou nesta casa, porque
também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem
veio procurar e salvar o que estava perdido”.
Consideremos Zaqueu. Foi ou não foi um
encontro encantador esse que ele teve com Jesus? Ora, não é preciso
muitas explicações. Lucas foi sucinto na descrição do impacto que o
encontro com Jesus provocou em Zaqueu: Reconheceu-se pecador, prometeu
distribuir metade dos seus bens aos pobres e a devolver quatro vezes o
que roubou. Jesus, por sua vez, sacramentou o arrependimento e confissão
de Zaqueu com a graça da salvação e lhe reconheceu a dignidade de filho
de Abraão. Eis aí um encontro deslumbrante, salvador, que certamente
marcou para sempre a vida desse homem.
Como o médico está aí para curar os
doentes e não para tratar dos sadios, Jesus disse mais de uma vez que o
Filho do Homem veio para procurar e salvar os que estavam perdidos. Por
isso, Ele priorizou encontrar-se com os pecadores, comer com os
publicanos, acolher as prostitutas, ir atrás das ovelhas desgarradas,
socorrer os aflitos. Jesus admoestou as multidões a amar os inimigos,
fazer o bem aos que fazem o mal, bendizer os que amaldiçoam, orar por
aqueles que difamam (cf. Lc 6, 27-35). Disse ainda: “Sede
misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para
não serdes julgados. Não condeneis, para não serdes condenados; perdoai,
e vos será perdoado. Dai e vos será dado. Será derramada no vosso
regaço uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, pois com a
medida com que medirdes sereis medidos também” (Lc 6, 36-38).
O Papa Francisco vem convidando os
cristãos a renovar o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou a tomar a
decisão de se deixar encontrar por Ele. Assim se expressou na “Evangelii
Gaudium” (A Alegria do Evangelho), insistindo em dizer que a “Igreja
não cresce por proselitismo, mas por atração” (n: 14). Crescer por
atração é o mesmo que por encantamento, deslumbramento, alegria de
conhecer e amar a Jesus Cristo. Assim sendo, o Papa Francisco segue a
linha de pensamento do seu antecessor, o Papa Bento, e cita esse Papa
que disse: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma
grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá
à vida um novo horizonte e, desta forma o rumo decisivo” (Deus Caritas
est, 1). O Documento de Aparecida também afirma que o encontro pessoal
com Jesus é fundamental: “Jesus precisa ser encontrado, seguido, amado,
adorado, anunciado e comunicado” (n 14). O discípulo deve ser alguém
fascinado por Jesus. A fascinação de Zaqueu por Jesus nasceu desse seu
encontro encantador com Jesus.
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