Cidade
do Vaticano (RV) – O Santo Padre presidiu neste domingo (13/11) na
Basílica de São Pedro a Santa Missa por ocasião do Jubileu dos Excluídos
Socialmente.
Eis a homilia da íntegra:
“«Para vós (...) brilhará o sol da justiça, trazendo a cura nos seus
raios» (Ml 3, 20). As palavras do profeta Malaquias, que ouvimos na
primeira leitura, iluminam a celebração desta jornada jubilar.
Encontram-se na última página do último profeta do Antigo Testamento e
são dirigidas àqueles que têm confiança no Senhor, que depõem a sua
esperança nele, escolhendo-o como bem supremo da vida e recusando-se a
viver só para si mesmos e seus interesses. Para eles, pobres de si mas
ricos de Deus, brilhará o sol da sua justiça: são os pobres em espírito,
a quem Jesus promete o reino dos céus (cf. Mt 5, 3) e dos quais Deus,
pela boca do profeta Malaquias, declara: «são meus» (Ml 3, 17). O
profeta contrapõe-nos aos soberbos, àqueles que puseram na sua
autossuficiência e nos bens do mundo a segurança da vida. Perante esta
página final do Antigo Testamento, surgem questões que interpelam o
sentido último da vida: Onde busco a minha segurança? No Senhor ou
noutras seguranças que não são do agrado de Deus? Qual é a direção da
minha vida, para onde olha o meu coração? Para o Senhor da vida ou para
as coisas que passam e não saciam?
Idênticas questões aparecem no trecho evangélico de hoje. Jesus encontra-se em Jerusalém, para a última e mais importante página da sua
vida terrena: a sua morte e ressurreição. Está perto do templo,
«adornado de belas pedras e de ofertas votivas» (Lc 21, 5). As pessoas
estão precisamente a comentar as belezas exteriores do templo, quando
Jesus diz: «Virá o dia em que de tudo isto que estais a contemplar, não
ficará pedra sobre pedra» (21, 6). Acrescenta que haverá conflitos,
carestias, convulsões na terra e no céu. Jesus não quer assustar, mas
dizer-nos que tudo aquilo que vemos passa inexoravelmente. Mesmo os
reinos mais poderosos, os edifícios mais sagrados e as realidades mais
firmes do mundo não duram para sempre; mais cedo ou mais tarde, caem.
Na sequência destas afirmações, as pessoas colocam duas questões
imediatas ao Mestre: «Quando sucederá isto? E qual será o sinal»? (21,
7). Sempre somos impelidos pela curiosidade: quer-se saber quando e
receber sinais. Esta curiosidade, porém, não agrada a Jesus. Pelo
contrário, exorta a não nos deixarmos enganar pelos pregadores apocalípticos. Quem segue Jesus não presta ouvidos aos profetas da
desgraça, à futilidade dos horóscopos, às previsões que amedrontam,
distraindo daquilo que conta. O Senhor convida a distinguir, dentre as
muitas vozes que se ouvem, aquilo que vem dele e o que vem do falso
espírito. É importante distinguir entre o sábio convite que Deus nos
dirige cada dia e o clamor de quem se serve do nome de Deus para
assustar, sustentando divisões e medos.
Com firmeza, Jesus convida a não temer perante os cataclismos de cada
época, nem mesmo frente às provas mais graves e injustas que acontecem
aos seus discípulos. Pede para perseverar no bem e colocar plena
confiança em Deus, que não desilude: «Não se perderá um só cabelo da
vossa cabeça» (21, 18). Deus não esquece os seus fiéis, a sua
propriedade preciosa que somos nós.
Entretanto, hoje, interpela-nos sobre o sentido da nossa existência.
Poder-se-ia dizer, com uma imagem, que estas leituras se apresentam como
uma «peneira» no meio do fluxo da nossa vida: lembram-nos que, neste
mundo, quase tudo passa, como a corrente da água; mas há realidades
preciosas que permanecem, como uma pedra preciosa numa peneira. E o que é
que resta? O que é que tem valor na vida? Quais são as riquezas que não
desaparecem? Seguramente duas: o Senhor e o próximo. Estes são os bens
maiores, que havemos de amar. Tudo o resto – o céu, a terra, as coisas
mais belas, mesmo esta Basílica – passa; mas não devemos excluir da vida
Deus e os outros.
E todavia neste dia jubilar que nos fala de exclusão, imediatamente
vêm à mente pessoas concretas; não coisas inúteis, mas pessoas
preciosas. A pessoa humana, colocada por Deus no cume da criação, muitas
vezes é descartada, porque se prefere as coisas que passam. Isto é
inaceitável, porque o ser humano é o bem mais precioso aos olhos de
Deus. E é grave que nos habituemos a este descarte; é preciso
preocupar-se quando se anestesia a consciência, já não fazendo caso do
irmão que sofre ao nosso lado nem dos problemas sérios do mundo, que se
reduzem a um refrão já ouvido nos sumários dos telejornais.
Hoje, queridos irmãos e irmãs, é o vosso Jubileu e, com a vossa
presença, ajudais-nos a sintonizar no comprimento de onda de Deus, a ver
o que Ele vê: Ele não Se detém nas aparências (cf. 1 Sam 16, 7), mas
fixa o seu olhar «nos humildes de coração contrito» (Is 66, 2), em
tantos pobres Lázaros de hoje. Como nos faz mal fingir que não nos damos
conta do Lázaro que é excluído e descartado (cf. Lc 16, 19-21)! É
afastar o rosto de Deus. Temos um sintoma de esclerose espiritual,
quando o interesse se concentra nas coisas a produzir, em vez de ser nas
pessoas a amar. Assim nasce a dramática contradição dos nossos tempos:
quanto mais crescem o progresso e as possibilidades – e isto é bom –
tanto maior é o número daqueles que não lhes podem chegar. É uma grande
injustiça que nos deve preocupar muito mais do que saber quando e como
será o fim do mundo. Com efeito, não se pode estar tranquilo em casa,
enquanto Lázaro jazer à porta; não há paz em casa de quem está bem,
quando falta justiça na casa de todos.
Hoje, nas catedrais e santuários de todo o mundo, são fechadas as
Portas da Misericórdia. Peçamos a graça de não fechar os olhos perante
Deus que nos olha e o próximo que nos interpela. Abramos os olhos a
Deus, purificando a visão do coração das representações enganadoras e
pavorosas, do deus da força e dos castigos, projeção da soberba e dos
medos humanos. Olhemos com confiança para o Deus da misericórdia, com a
certeza de que «o amor jamais passará» (1 Cor 13, 8). Renovemos a
esperança da vida verdadeira a que somos chamados, aquela que não
passará e que nos espera em comunhão com o Senhor e com os outros, numa
alegria que durará para sempre, sem fim.
E abramos os olhos ao próximo, sobretudo ao irmão esquecido e
excluído, ao "Lázaro" que jaz diante de nossa porta. Para ele está
apontada a lupa da Igreja; que o Senhor nos livre de a voltarmos para
nós. Afaste-nos das quimeras que nos distraem, dos interesses e dos
privilégios, do apego ao poder e à glória, da sedução do espírito do
mundo. De modo particular a nossa Mãe Igreja «olha para toda a
humanidade que sofre e chora, pois ela sabe que esta lhe pertence, por
direito evangélico» (PAULO VI, Discurso no início da II Sessão do
Concílio Vaticano II, 29 de setembro de 1963); por direito e também por
dever evangélico, porque é nossa tarefa cuidar da verdadeira riqueza que
são os pobres. À luz destas reflexões, gostaria que hoje fosse "o dia
dos pobres". Como bem no-lo recorda uma antiga tradição referente ao
mártir romano São Lourenço. Este, antes de suportar um martírio atroz
por amor do Senhor, distribuiu os bens da comunidade aos pobres, por ele
designados como verdadeiros tesouros da Igreja. Que o Senhor nos
conceda a graça de olhar sem medo para aquilo que conta, dirigir o
coração para Ele e para os nossos verdadeiros tesouros”.
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