Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
O Mistério da Cruz tem relação com o
Mistério da Igreja, Corpo de Cristo que nasceu do seu Sangue
Preciosíssimo derramado na Cruz. A graça chega até nós através do
Mistério da Cruz, motivo suficiente para que amemos a Santa Cruz. No
seguimento do Crucificado, o cristão vive no Espírito Santo, e não na
carne. Aquele que renasceu “da água e do Espírito” (Jo 3,5) sabe que
nasceu para as realidades superiores.
Celebramos neste 14 de setembro a Festa
da Exaltação da Santa Cruz. É uma festa da época do Imperador
Constantino, que construiu as duas basílicas em Jerusalém (Gólgota e
Sepulcro) e que foram dedicadas neste dia. Celebrar a exaltação da Santa
Cruz é celebrar a exaltação da humilhação. Essa afirmação aparentemente
contraditória aparece com clareza na carta aos Filipenses. Muitos viram
na Cruz e na sua celebração festiva uma contradição; essa maneira de
ver as coisas levou-os a renegar a Cruz em nome da vida segundo esse
mundo. No entanto, a vida segundo esse mundo termina geralmente em
angústia, desespero e morte. A Cruz nos introduz em outra percepção de
valores e nos faz passar através das vicissitudes presentes com o olhar
fixo nas realidades que nos esperam. Deus falou por meio da Cruz, isto
é, por meio do mistério do seu Filho morto e ressuscitado. Ele quer
introduzir-nos na Vida pela Cruz.
O culto à Santa Cruz, na qual Cristo deu
a sua vida por nós, remonta aos começos do cristianismo. A Igreja canta
com fé a Santa Cruz, pois foi o instrumento da nossa Salvação; se a
árvore a cuja sombra os nossos primeiros pais pecaram foi a causa de
perdição, a árvore da Cruz é origem da nossa salvação eterna. A Palavra
de Deus (Num 21,4-9) narra-nos o que ocorreu com o Povo eleito por ter
murmurado contra Moisés e contra Deus ao experimentar as dificuldades do
deserto; experimentaram as serpentes que causavam estragos entre os
israelitas. Quando se arrependeram, o Senhor disse a Moisés: “Faze uma
serpente de bronze e coloca-a como sinal sobre uma haste; aquele que for
mordido e olhar para ela viverá. Moisés fez, pois, uma serpente de
bronze e colocou-a como sinal sobre uma haste. Quando alguém era mordido
por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, ficava curado”.
(Num 21, 8-9).
Assim o diz Jesus no diálogo mantido com
Nicodemos: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é
necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele
que crer tenha Nele vida eterna” (Jo 3, 14-15). O caminho da santidade
passa pela Cruz, e ganham sentido todas essas realidades que tanto
precisam Dele, como são a doença, a dor, as aflições econômicas, o
fracasso…, a mortificação voluntária. A cruz para os cristãos dá sentido
à própria vida quando não nos desesperarmos com ela, mas encontrarmos
aí um caminho de salvação.
Porém, na cruz de Cristo também estão
significadas todas as cruzes do mundo e da humanidade: a cruz do
inocente que sofre, a cruz dos órfãos, dos que morrem na guerra, a cruz
dos pobres, sem nome, sem vez nem voz... Na cruz do Senhor estão tantos
povos e raças oprimidos, dizimados pela ganância e pelo ódio. Na cruz de
Cristo está simbolizada toda dor, todo fracasso, toda solidão, todo
peso do mundo. Na cruz do Senhor está tudo aquilo que nos deixa com uma
pergunta presa na garganta: “Por que tanta dor, tanto sofrimento, tanta
injustiça”? Hoje, ainda mais que antes, os gritos das pessoas diante da
vida questionam a Deus. Por que Deus se cala? Por que permite? Onde ele
está? Não pode compreender o mistério da cruz quem não se deixa atingir e
questionar por estas perguntas, por estas dores, por estes prantos! A
cruz não é um ornamento, uma brincadeira; a cruz é uma realidade
existencial, também um ícone, um símbolo, uma parábola impressionante e
dolorosa!
O Cristo que morre de braços abertos na
cruz representa a solidariedade de Deus abraçando a humanidade pecadora;
ela que, de um lado e de outro, e dos inúmeros motivos padece pela
opressão iníqua do pecado e dos sistemas políticos e econômicos. O
calvário tornou-se o altar do mundo, onde a graça encerra a sua força e
glória, onde Deus revela-se mostrando o verdadeiro rosto da humanidade,
onde a humanidade reconhece a sua fragilidade batendo no peito (Lc
23,48), onde a Igreja entende a sua missão evangelizadora e redentora.
Na cruz está significado tudo aquilo que
tanto nos apavora! E, no entanto, Jesus diz, no evangelho de hoje, que
era necessário passar pela cruz: “Do mesmo modo que Moisés levantou a
serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja
levantado...” (Jo 3,14). Palavra impressionante, confirmada após a
ressurreição: “Não era necessário que o Filho sofresse tudo isso e assim
entrasse na sua glória”? (Lc 24,26). Aliás, Ele mesmo nos mostrou o
caminho: “quem quiser me seguir, tome a sua cruz e me siga”. Enfim, a
Cruz apresenta-se na nossa vida de diversas maneiras: doença, pobreza,
cansaço, dor, desprezo, solidão… Hoje podemos examinar como é a nossa
disposição habitual em face dessa Cruz que às vezes se mostra áspera e
dura, mas que, se a levamos com amor, converte-se em fonte de
purificação e de Vida, e também de alegria. O amor à Cruz produz
abundantes frutos na alma. Em primeiro lugar, leva-nos a descobrir
Jesus, que sai ao nosso encontro e carrega sobre os Seus ombros a parte
mais pesada da contradição. A nossa dor, associada à do Mestre, deixa de
ser o mal que entristece e arruína e converte-se em meio de íntima
união com Deus.
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