Dom Caetano Ferrari
Bispo de Bauru (SP)
Neste ano C a Liturgia proclama o
Evangelho de Lucas. A intenção de Lucas ao escrever o seu Evangelho é
mostrar que Jesus veio abrir uma nova história, a história da libertação
e salvação especialmente para os pobres e excluídos pelo
estabelecimento de novas relações de fraternidade a serem construídas
sobre as bases de um amor e compaixão nunca dantes vistos. O Papa
Francisco vem nos pedindo para, neste Ano Jubilar da Misericórdia,
meditarmos com particular atenção o Evangelho de Lucas, porque este é o
Evangelho da Misericórdia. Os biblistas dizem que o Evangelho de Lucas é
o mais atraente, mais prazeroso de ser lido, porque apresenta “a
mensagem de Jesus como Boa Notícia de um Deus compassivo, defensor dos
pobres, curador dos doentes e amigo de pecadores” (José Antônio Pagola,
“O caminho aberto por Jesus”, Ed. Vozes).
No trecho evangélico da Missa de hoje -
Lc 1,1-4;4,14-21 - Lucas, primeiramente, diz que também ele decidiu
escrever, segundo um modo próprio de organizar, a história dos
acontecimentos como foram contados pelas testemunhas oculares e
ministros da Palavra. Depois, Lucas apresenta o programa de Jesus.
Da maneira como Lucas conta, foi Jesus
mesmo quem escolheu uma passagem do profeta Isaías que fundamentasse o
seu programa de ação, para dizer qual o Espírito que o anima, quais as
suas preocupações e os seus propósitos. Na sinagoga de Nazaré, num dia
de sábado, Jesus tomou o profeta Isaías e leu: “O Espírito do Senhor
está sobre mim, porque me ungiu. Enviou-me para dar a Boa Notícia aos
pobres, para anunciar aos cativos a liberdade e aos cegos a visão, para
pôr em liberdade os oprimidos, para anunciar o ano de graça do Senhor.
E, fechando o livro, devolveu-o ao ajudante e sentou-se. Toda sinagoga
tinha os olhos fixos nele. E Ele se pôs a dizer-lhes: Hoje se cumpre
esta Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,16-21). Lucas abre o
ministério apostólico de Jesus com o anúncio de Boa Nova da libertação
para os pobres, os cativos, os oprimidos e os cegos. Estas quatro
categorias de pessoas sintetizam os feridos golpeados pelas misérias
daquele tempo, mas que representam os sofredores de todos os tempos.
A doutrina da Igreja distingue com toda
clareza os dois níveis de compreensão do que significa a libertação
cristã. Primeiramente, significa salvação do pecado, é de natureza
religiosa e espiritual, compreende a parte essencial da evangelização
que é salvar a pessoa toda e todas as pessoas para a vida eterna, plena e
feliz com Deus. Depois, diz respeito também à promoção humana, que
exige, por exemplo, dar o pão a quem tem fome e roupa ao nu, curar as
feridas, defender a dignidade humana, cuidar da vida do planeta, lutar
contra as injustiças e opressões. É parte integrante da evangelização.
Refere-se às dimensões da vida temporal e histórica do homem. O
magistério da Igreja sempre alertou os cristãos a não confundirem a
libertação cristã com as ideologias de cunho político. A salvação é uma
história da caridade, do amor de Deus, e não uma história do ódio, ainda
que justo, como, por exemplo, o viveram os revolucionários do marxismo.
Jesus aprofunda as exigências da justiça e da misericórdia. No entanto,
pela proposta do mandamento novo Jesus pede aos seus discípulos para
que busquem uma perfeição de santidade que os façam ir além da justiça
humana, isto é que sejam misericordiosos como o Pai é misericordioso
(cf. Lc 6,36). Sobretudo por sua prática, Jesus priorizou a
misericórdia, segundo disse que não é a penitência, como exigência da
justiça, que Deus quer, mas é a misericórdia que Ele deseja (cf. Mt 9,
13). Jesus, verdadeiramente, revelou o rosto misericordioso do Pai, como
ninguém o fez.
Apresentado desta forma por Lucas, este é
o programa que Jesus adotou para si enquanto viveu neste mundo e o
propôs aos seus discípulos de então, de hoje e para sempre. A obra da
libertação cristã e da salvação eterna só se consegue à base do muito
amor e misericórdia, segundo a medida da caridade e misericórdia de
Cristo que amou sem medida.
Senhor, concedei a todos nós a graça de
jamais perdermos de vista o programa de Jesus e de produzirmos, em seu
nome, frutos de boas obras que libertam e salvam. Amém!
Nenhum comentário:
Postar um comentário