Dom Murilo Krieger
Arcebispo de Salvador (BA)
Eu participava de um encontro em que as
discussões, a certo momento, começaram a girar em torno do trabalho.
"Por que será", perguntou um dos participantes, "que no Brasil o
trabalho braçal é tão pouco valorizado?" Para justificar sua pergunta,
esse participante acrescentou: "Muitos jovens brasileiros, da classe
média ou alta, que vão estudar nos Estados Unidos, acham normal ganhar
dinheiro lavando carros, limpando casas, pintando paredes etc. Aqui,
jamais fariam o mesmo, pois se sentiriam humilhados".
Lembrei-me, então, da explicação que um
sociólogo me deu, a respeito desse assunto. Segundo ele, na Roma antiga
havia duas palavras para expressar o que chamamos de trabalho: "labor",
do latim erudito, e "tripalium", do latim vulgar. A primeira era usada
para designar a ação dos poetas, dos escritores e dos que tinham
profissões liberais. A segunda – "tripalium", que deu origem à nossa
palavra "trabalho" –, referia-se a um instrumento de tortura, colocado
no boi, para feri-lo quando parasse de arar os campos. Mais tarde, essa
palavra do latim popular passou a ser usada para se referir aos serviços
feitos pelos escravos. Assim, nos povos latinos ficou gravada essa
ideia, totalmente errada: nobre e elevada é a atividade intelectual; já
as atividades que envolvem força física são pouco apreciadas.
Entende-se, pois, o drama de nosso país: há excesso de candidatos para
determinados vestibulares, enquanto faltam profissionais competentes em
tantas áreas. Quem, recentemente, precisou de um bom carpinteiro,
eletricista, encanador etc., que o diga.
Para não poucos, o trabalho é
considerado apenas um dever, um peso – não um direito social (cf.
Constituição brasileira, Art. 7º) ou uma colaboração na obra da criação –
isto é, uma resposta à ordem que está no início da Bíblia: "Submetei a
terra!" (Gn 1,28). É verdade que, a fim de contribuir para o
desenvolvimento do ser humano, o trabalho deve ser exercido segundo
determinadas condições e respeitados certos valores. Quando a ganância
domina, o resultado é o mesmo em toda a parte: exploração de menores
(sim, isso existe ainda!), trabalho escravo em fazendas distantes, pouca
valorização do trabalho feminino etc.
Como nos lembra o "Compêndio da Doutrina
Social da Igreja", do Pontifício Conselho Justiça e Paz (livro editado
em português pelas Paulinas), o trabalho pertence à condição originária
do homem e precede a sua queda; não é, pois, nem punição nem maldição. O
ponto alto do ensinamento bíblico sobre o trabalho é o mandamento do
repouso sabático. Tal repouso nos permite recordar e reviver as obras de
Deus e nos reconhecermos como obra Sua, dando-lhe graças pela vida.
Na sua pregação, Jesus nos ensinou a
apreciar o trabalho. Para não ficar somente na teoria, ele mesmo foi um
trabalhador, um carpinteiro. Pôde, pois, afirmar: "Meu Pai trabalha até
agora e eu também trabalho" (Jo 5,17). Ensinou-nos a não nos deixarmos
escravizar pelo trabalho pois, afinal, "de que adianta alguém ganhar o
mundo inteiro, se perder a própria alma?" (Mc 8,36).
Sempre me surpreendem, na santa Missa,
as palavras da apresentação das oferendas: "Bendito sejais, Senhor, Deus
do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra e
do trabalho humano, que agora vos apresentamos, e para nós se vai tornar
pão da vida". "Fruto da terra e do trabalho humano": a terra ficou
fortalecida com os raios do sol e as gotas da chuva; o agricultor semeou
o trigo, o operário fez o arado, o engenheiro fabricou o moinho... É
toda a humanidade, representada pelo fruto do seu trabalho, que se
apresenta ao Senhor. Que graça: pelo nosso trabalho, somos criadores,
como Deus.
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