Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares (PE)
A Páscoa da Antiga Aliança comemorava a
saída do Egito onde o povo hebreu vivera na escravidão. A Páscoa cristã,
que acontece a cada ano, faz memória e torna atual a Páscoa que Jesus
celebrou com seus apóstolos. Na verdade, a Páscoa é celebrada
continuadamente na liturgia porque Jesus ressuscitado está presente na
vida do povo que foi resgatado com sua morte na cruz. No Tempo Pascoal,
que se estende até Pentecostes, os fiéis têm a graça de viver o mistério
que celebram, à luz da fé.
A condição de peregrino é uma realidade
inerente à vida do povo de Deus, como foi no passado. Se antes a
peregrinação tinha como destinação a terra prometida, hoje tem como o
horizonte a “pátria eterna”. Foram muitos os desafios experimentados
pelo povo hebreu e longo o percurso geográfico da caminhada; hoje, o
êxodo tem perfil e desafios próprios e uma abrangência maior porque o
povo, em muitas partes do mundo, conhece as vicissitudes de uma longa e
difícil travessia. Nesse sentido, a Páscoa de 2016, vivida pelos
católicos com a certeza de continuarem contando com a presença de Jesus
ressuscitado, não pode deixar de ter um olhar misericordioso sobre a
realidade do mundo, ao seu redor, porque, para bilhões de pessoas, a
expectativa da conquista e a experiência da vitória ainda estão pra
acontecer. Basta que se veja o êxodo de milhares de pessoas do Oriente
Médio, em busca de sobrevivência na Europa e em outros Continentes; isto
está dizendo à humanidade que os faraós de hoje são mais brutais do que
os do Egito. A fome, a que estão submetidas milhões de pessoas, tem uma
linguagem iníqua; sua extensão, que não tem precedentes na história,
não é consequência de intempéries, mas das gritantes desigualdades
sociais que são, facilmente, identificadas no “mapa mundi”. Eis a razão
pela qual a Páscoa deste ano, necessariamente, deve falar à razão e ao
coração de todos.
No Brasil, a graça de que necessitam os
indivíduos, as famílias e os cidadãos, nesta Pascoa de 2016, tem um quê
de particular, dado o estado de coisas que, além da crônica, está
registrado em sua mente e em seu coração. A crise política e econômica,
causada por uma corrupção calculadamente arquitetada por políticos e
empresários, vai de encontro às aspirações e aos direitos individuais e
coletivos. A esse respeito, tendo chamado a fazer a experiência da
misericórdia quem faz parte de “um grupo criminoso”, o Papa Francisco,
na Bula “Misericordiae vultus” (O Rosto da Misericórdia), faz um
convite, em vista de sua conversão, a quem promove a corrupção: “O mesmo
convite chegue também às pessoas ou cúmplices da corrupção. Esta praga
apodrecida da sociedade é um pecado grave que brada aos céus, porque
mina as próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de
olhar para o futuro com esperança, porque, com a sua prepotência e
avidez, destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres. É um mal
que se esconde nos gestos diários para se estender depois aos
escândalos públicos. A corrupção é uma contumácia no pecado, que
pretende substituir Deus com a ilusão do dinheiro como forma de poder.”
A Páscoa de 2016, celebrada com os
estímulos do Jubileu da Misericórdia, apela para a aplicação da justiça a
quem causou males de toda natureza aos seus irmãos. Essa ordem de
coisas no Brasil e no mundo está muito distante das alegrias e certezas
da Ressurreição.
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