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segunda-feira, 27 de junho de 2016

"Os que ainda hoje pregam ou seguem a teologia da prosperidade não entenderam nem quem é o Cristo".


tomarcruzNo trecho evangélico da Missa de hoje - Lc 9,18-24 - Lucas conta que Jesus estava rezando num lugar deserto e os discípulos estavam com ele. Movido pelo Espírito Santo, Jesus aproveitou o momento para aprofundar com os discípulos um aspecto central da identidade e missão do Messias, "O Cristo de Deus", e, por conseguinte, dos cristãos. Jesus pôs a questão aos discípulos: "Quem diz o povo que Eu sou?" A resposta foi, "uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou". Mas Jesus perguntou-lhes: "E para vós quem Eu sou?" Pedro, sempre ele, respondeu de imediato: "O Cristo de Deus". Jesus, primeiro, pediu-lhes para que por ora guardassem essa revelação em segredo, porque certamente a recepção da notícia seria equivocada, isto é, ideologizada como vinha sendo interpretada pela tradição segundo a qual o Messias seria como um rei Davi glorioso por seu grande poder econômico e militar que tomaria conta do mundo, pelo que Ele seria muito amado tanto pelo povo quanto pelos poderosos da nação, anciãos, sacerdotes e doutores da lei.
Tal que Jesus nem lhes perguntou sobre o que significava ser "o Messias de Deus", já que essa resposta estaria na ponta da língua: um rei poderoso neste e deste mundo. Assim sendo, Jesus pôs-se logo a esclarecê-los, para sua perplexidade, afirmando que "O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia". Como o discípulo nunca será maior do que o mestre, Jesus não deixou para depois a fim de revelar-lhes o que os deixou ainda mais surpresos que "Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará".

Embora Jesus tenha deixado evidente quanto quem é "o Cristo de Deus" e quem serão os cristãos, foi somente depois da vinda do Espírito Santo que os discípulos compreenderam o verdadeiro sentido dessa revelação. Os que ainda hoje pregam ou seguem a teologia da prosperidade não entenderam nem quem é o Cristo nem quem são os cristãos, nem o que significa Reino de Deus nem reino deste mundo. Semeiam na confusão. Que o Senhor os perdoe porque não sabem o que fazem! Se o soubessem seriam mal intencionados. Da vida de Cristo e do cristão a cruz jamais poderá ser tirada.

As perguntas do Evangelho de hoje são dirigidas também a você, amado leitor e leitora: Quem é Jesus e quem é você? Conhecer Jesus é conhecer quem é a humanidade.
Venho lembrando aqui verdades básicas da fé sobre as quais a cultura moderna individualista e utilitarista tergiversa, buscando confundir a cabeça das pessoas, para desconstruí-las e dissolvê-las em mentiras. Uma corrente teológica nascida dessa cultura afirma que as religiões que hoje não operarem aqui e agora para a cura física, psíquica e espiritual e a promoção econômica e social do ser humano não devem ser levadas a sério. A proposta é sedutora. Igrejas neo-pentecostais, por exemplo, se inspiram nessa teologia e, por isso, trabalham intensamente oferecendo aos seus seguidores curas divinas, milagres e exorcismos e prometendo sucesso, progresso, riqueza e bem-estar geral. Como o diabo corre da cruz, os líderes dessas Igrejas fogem dela, não gostam de falar da paixão e crucificação de Jesus, nem sabem o que fazer com a cruz dos cristãos.
Priorizam o Jesus Salvador e Libertador e o cristão bem sucedido. Na hermenêutica desses pastores, só há lugar para um crucificado, Jesus, porque de fato "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras" (1 Cor 15,3). É conforme o nosso Catecismo afirma que (Jesus) "Por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz, mereceu-nos a justificação, como ensina o Concílio de Trento, sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como 'principio de salvação eterna'. A Igreja venera a cruz, cantando, 'crux, ave, spes única - salve, ó cruz, única esperança'" (n:617).
Quanto, porém, à participação dos cristãos no sacrifício de Cristo, esses pregadores não a negam enquanto os cristãos são beneficiários passivos dos méritos de Cristo, mas enquanto tenham que ativamente renunciar a si mesmos, tomar sua cruz cada dia e seguir a Jesus, ah! isso não, nem pensar. Não compreendem o que diz Paulo: "Agora regozijo-me nos meus sofrimentos por vós, e completo o que falta às tribulações de Cristo em minha carne pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1, 24). Para nossa salvação bastou o sacrifício de Cristo, mas, sendo seus discípulos e imitadores, somos chamados a carregar as tribulações de Cristo na nossa carne em favor do anúncio do Evangelho e por causa do amor ao povo de Deus. Por isso, conforme o Evangelho da Missa, Jesus chama seus discípulos a "tomar sua cruz e segui-Lo", associando ao seu sacrifício redentor aqueles mesmos que são seus primeiros beneficiários. Nosso Catecismo cita Santa Rosa de Lima que assim se expressou: "Fora da Cruz não existe outra escada por onde subir ao céu" (n: 618).

Aqui está a mentira da supra teologia mencionada, a de prometer a felicidade plena, o sucesso, o progresso e a riqueza de bens para aqui e agora nesta vida. É claro que não é falsa a fé na presença operante do Cristo ressuscitado e vivo nem no poder curativo e libertador do Espírito Santo. O erro, contudo, está na concepção de que essas graças, no entanto, não virão de graça, exigirão esforço pessoal, emulação de si, participação em cultos com demoradas orações, bênçãos, imposição de mãos, unções e exorcismos procedidos por quanto mais pastores melhor, jejuns e ofertas materiais para a obra de Deus. A salvação não viria da fé, mas das próprias forças das pessoas, sem depender de ninguém. Não é difícil de perceber por traz dessa 'mística' uma consciência ou pensamento de tipo mágico. Deus seria obrigado a devolver em bens pretendidos os sacrifícios que cada um faz de si em cultos e ritos de emulação. Nesse tipo de teologia neo-pentecostal predomina a fé interpretada de modo privado, intimista, espiritualizado, fundamentalista, sem preocupação com a dimensão social do Evangelho, a causa dos pobres e sofredores e a luta pelas transformações sociais.
Dom Caetano Ferrari
Bispo de Bauru (SP)

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