É
do Evangelho da Missa de hoje - Lc 7,1-10 - uma declaração de fé que
Jesus elogiou publicamente: "Senhor, não sou digno de que entres em
minha casa, basta uma palavra sua e o meu servo será curado". São
palavras simples, mas de extraordinária confiança, que foram ditas por
um oficial romano a alguns mensageiros para que as levassem até Jesus,
confiando que Jesus curaria um seu empregado, que estava à beira da
morte, porque já Lhe pedira a sua cura também por intermédio de alguns
dos anciãos dos judeus e não duvidava que Jesus o atendesse. Conforme
com os mensageiros, o oficial romano não queria incomodar a Jesus nem
mesmo se sentia digno de ir ao seu encontro e, por isso, mandou
dizer-Lhe que como oficial ele tem soldados sob a sua autoridade e sabe
bem o que significa dar ordens e o que é obedecer: "Se ordeno a um:
'Vai! ', ele vai; e a outro: 'Vem! ', ele vem; e ao meu empregado: 'Faze
isto! ', ele o faz". Portanto, mandava dizer-lhe que não se incomodasse
em ir visitar o seu empregado. Jesus fez questão de dizer para a
multidão que o seguia que ficou admirado com a fé daquele homem: "Eu vos
declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé".
No exemplo do oficial romano vê-se com
nitidez que o ponto central da sua fé é a sua total confiança em Jesus
Cristo. Crer em Jesus é crer em Deus, porque Ele é verdadeiramente Deus e
Homem. O cristianismo não é uma mera doutrina, mas é uma pessoa em quem
cremos e confiamos. Como nos ensina o Catecismo, por Jesus conhecemos o
Pai e o Espírito Santo, e assim professamos a fé, a esperança e o amor
em Deus Uno e Trino. A fé não é, em primeiro lugar, um saber, mas um
encontro com uma pessoa, Deus mesmo.
Mas, é também dimensão importante da fé
cristã confessar publicamente os conteúdos da fé, aquilo que cremos, as
verdades e o saber relativo à doutrina, aos ensinamentos e preceitos que
livremente acolhemos e procuramos viver por amor a Deus.
Neste tempo de fé frágil ou de não fé em
que vivemos, estou convencido de que é preciso voltar a falar das
verdades essenciais da fé, isto é, de voltar ao Catecismo. É o que venho
fazendo aqui também nesse espaço a conta-gotas.
Pois bem, permita-me aplicar-lhe mais
outra gotícula ainda no campo da Doutrina Social da Igreja. Pessoas
costumam perguntar aos Bispos e Padres qual a sua posição quanto à
política, à economia e às questões sociais: Esquerda ou direita,
conservador ou progressista ou liberal, petista ou algum outro partido
de centro ou de direita, comunismo ou capitalismo, estatismo ou
liberalismo? Quem me leu no domingo passado se não sabia ficou sabendo
que a Igreja como instituição não tem partido político e os clérigos não
participam da política partidária. O engajamento na política é tarefa
dos fiéis leigos. (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 50).
A verdade fundamental da moral cristã,
que é esquecida embora esteja no Catecismo, é que o pecado original é
verdadeiro. Chesterton, um escritor convertido à fé católica do século
passado, escreveu que "Os pais da ciência afirmaram que qualquer
investigação teria que se fundamentar nos fatos. Esse mesmo conhecimento
tiveram os pais do cristianismo, e fundamentaram-se num acontecimento
empírico - o pecado -, tão evidente como haver batatas". Também ele
dizia que a política foi pedra de tropeço para a Igreja porque muitos
dos seus representantes esqueceram-se do pecado, não obstante as suas
melhores intenções. Segundo penso, ele está certo. Certo também é que o
pecado se combate desmascarando o maligno com as verdades da fé. Basta
que nos lembremos de que Jesus foi tentado pelo demônio no deserto com
três tentações, todas de alcance político, mas Jesus venceu-as e mandou o
demo às favas brandindo tão somente as verdades da Sagrada Escritura e
não as argumentações filosóficas ou ideológicas.
Gostei muito do que escreveu um jesuíta
venezuelano, Pe. Luis Ugalde, sobre a grave situação política da
Venezuela (cf. El Nacional, 14-04-2016). Ele buscou, a meu ver
acertadamente, a verdade do Evangelho para argumentar. Tomou a parábola
sobre o juízo final (cf. Mt 25). O Mestre diz aos bons: "Venham benditos
de meu Pai porque tive fome e me destes de comer..." e diz aos maus:
"Afastai-vos malditos, porque tive fome e não me destes de comer..." Não
é difícil perceber aqui o pecado na linha divisória entre a boa pessoa e
a má, entre o bom governo e o mau, entre a boa política e a má. O Padre
continua dizendo que "Os responsáveis pela situação política, econômica
e social recebem o louvor de Deus apenas se conseguem estruturas,
instituições e condutas para que os famintos tenham acesso à comida e à
sua produção, os doentes acesso à saúde e os injustamente presos acesso à
liberdade. E a Igreja não pode calar quando se trata de defender a vida
digna, embora a acusem de se meter na política". O Padre prossegue:
"Aqueles que roubaram milhares de milhões de dólares, que implantaram a
ineptidão e a corrupção na administração pública e que mataram a
produtividade da empresa, são aqueles que tiram o pão, a água, a saúde e
a segurança". Está aí o Padre a afirmar que as verdades da fé cristã
precisam ser ditas com todas as letras. Por isso ele dirige-se a Deus
com esta oração: "Senhor, ajuda-me a dizer a verdade perante os fortes e
a não dizer mentiras para ganhar o aplauso dos fracos".
A missão da Igreja é anunciar a verdade
na caridade. O Papa Bento XVI afirmou que o amor é uma força que tem a
sua origem em Deus, 'Amor eterno' e Verdade absoluta. E concluiu: "Por
isso, defender a verdade, propô-la na vida são formas exigentes e
imprescindíveis de caridade" (Caritas in Veritate, 1). Então, denunciar o
pecado é uma obrigação da caritas in veritate. Não esquecendo, como
lembrou Chesterton, que o pecado original habita todos os homens e
mulheres, entende-se a denúncia que o Padre jesuíta fez, denunciando o
crime do atual regime político e governo venezuelano. No entanto, em sua
mensagem não esqueceu de dizer que o pecado também existiu e existe em
regimes e governos baseados em outros sistemas e partidos.
Dom Caetano Ferrari
Bispo de Bauru
Bispo de Bauru
Nenhum comentário:
Postar um comentário