Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Neste ano, há motivações especiais para
celebrar a Semana Nacional da Família, dentro mês vocacional de agosto:
temos os ricos ensinamentos exortações pastorais do Papa Francisco, na
Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, sobre a alegria do
amor no matrimônio e na família. Este também é o tema do curso anual do
clero da Arquidiocese de São Paulo, em Itaici.
Para muitos, o casamento e a família
“tradicionais” já foram superados e substituídos por diversas formas de
união, que pretendem ter reconhecimento igual ao que sempre foi tido
como casamento e família. Para outros, a família é como um barco à
deriva e já não vale a pena dedicar-lhe esforços, para tentar salvá-la.
Será assim mesmo?
Por que o Papa Francisco exorta a Igreja
e a sociedade a dedicarem uma renovada atenção ao casamento e à
família? O motivo é simples e profundo, ao mesmo tempo: a família é um
bem para a pessoa, a comunidade humana e para a própria Igreja.
Casamento e família, embora sejam expressadas em diversas formas
culturais, não são meros produtos da cultura, mas são parte integrante
da natureza humana e, portanto, parte do desígnio de Deus Criador. Por
isso, se “Deus viu que era bom, muito bom” (cf Gn 1,31), a Igreja, como
anunciadora e testemunha daquilo que se refere a Deus, não pode deixar
de se interessar pelo casamento e a família.
No entanto, a atenção à família e ao
casamento é complexa, uma vez que se trata de realidades profundamente
ligadas às contingências humanas, históricas e culturais. É preciso
anunciar o ensinamento da Igreja, mas também é necessário confrontar-se
com as realidades que temos diante de nós, e que não correspondem sempre
ao ideal que anunciamos. Foi por isso que o Papa convocou uma
assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos (2014) para refletir
sobre a situação atual do casamento e da família no mundo e sobre os
desafios que daí decorrem para a missão evangelizadora da Igreja.
Seguiu-se a Assembleia ordinária do
Sínodo, em 2015, para refletir sobre a vocação e a missão da família no
contexto atual da Igreja e da sociedade; as reflexões foram assimiladas
pelo Papa e traduzidas na Exortação Apostólica Amoris Laetitia, sobre a
alegria do amor no casamento e na família. Uma afirmação de Francisco
permite-nos perceber logo por que a Igreja continua a acreditar que é
importante e vale a pena tratar do assunto: “as famílias não são um
problema; elas são, sobretudo, uma oportunidade” (nº 7). Aonde quer
chegar o Papa com as exortações dadas?
Penso que o Documento aponta para novas
posturas e novas práticas em relação ao casamento e à família. O Papa
não fez mudanças doutrinas no ensino da Igreja sobre casamento e
família. Mas, isso sim, insiste sobre novas práticas evangelizadoras e
pastorais, que vão desde a melhor compreensão e o renovado anúncio do
“Evangelho do casamento e da família” na Sagrada Escritura e no
Magistério da Igreja, passando por uma atenção carinhosa aos jovens que
se preparam ao casamento, pelo acompanhamento dos casais e das famílias
novas, por uma atenção especial e misericordiosa em relação aos casais e
famílias que crises e angústias.
Mas as novas práticas pastorais também
passam por novas práticas canônicas quanto à verificação da validade dos
casamentos e da possibilidade de realizar um casamento válido diante da
Igreja. Enfim, fazendo eco às manifestações das duas assembleias
sinodais, o Papa Francisco exorta a Igreja toda a ser acolhedora e
misericordiosa em relação a todas as famílias, mesmo quando não é
possível “regularizar” as situações contrastantes com o ensino da
Igreja; ninguém deve encontrar fechadas as portas da Igreja, mesmo
quando não dá para atender ao que as pessoas pedem. O Papa lembra que a
Igreja não condena ninguém antecipadamente, mas aponta a todos o caminho
da misericórdia e da conversão; a todos indica as riquezas inesgotáveis
do Evangelho da salvação e convida a caminhar por elas.
Em poucas palavras, eu diria que
Francisco nos tira da “zona de conforto” e nos leva a rever atitudes
eclesiais e práticas pastorais em relação ao casamento e à família. Aqui
também se aplica o conceito de “conversão pastoral”, que ele usou na
Exortação Apostólica “Evangelli Gaudium (A Alegria do Evangelho”, 2014).
A caridade pastoral e o desejo de fazer chegar a todos a Boa Nova da
salvação ajudarão a realizar as mudanças necessárias.
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