Dom Caetano Ferrari
Diocese de Bauru
Lembro-me que no primeiro domingo de
setembro chamei a atenção aqui que todo setembro é dedicado à Bíblia.
Hoje, último domingo de setembro, é Dia Nacional da Bíblia. E no próximo
dia 30, comemora-se São Jerônimo, um dos quatro grandes doutores da
Igreja latina, que ficou famoso por ter feito a tradução de toda a
Bíblia do original hebraico e grego para o latim, concluída no ano de
404 e conhecida como “Vulgata”. Conhecedor profundo do hebraico, grego e
latim, São Jerônimo é considerado como um dos maiores conhecedores da
Bíblia. Pois bem, por estes motivos, setembro foi organizado ao redor do
tema da Bíblia para que nós, cristãos, possamos valorizar a Palavra de
Deus em nossa vida, não só em setembro, mas sempre.
A Igreja vem dizendo desde tempos
remotos que a Palavra de Deus é para ser “escutada, meditada, vivida,
celebrada e testemunhada”. O método tradicional que a Igreja usa é o da
“Leitura Orante da Bíblia”, em latim, a “Lectio Divina”. Esta forma
privilegiada para se aproximar da Sagrada Escritura é a que melhor
introduz ao conhecimento de Jesus Cristo e melhor conduz ao encontro
pessoal com Ele. Pois, como escreveu São Jerônimo, “Conhecer a Bíblia é
conhecer a Cristo, desconhecer a Bíblia é desconhecer a Cristo”. E o que
há de mais importante na vida do que conhecer e amar a Jesus Cristo? Na
Escritura se lê que neste mundo “nada deve se antepor a Jesus Cristo”.
Jesus Cristo é o Messias, o Salvador, o Senhor. Paulo Apóstolo, depois
que fez a experiência do encontro com Jesus Cristo, tornou-se apaixonado
por Ele e o demonstrou com expressões de afeição e adesão de
extraordinária beleza e profundo significado, como estas, por exemplo:
“Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida
presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se
entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20); “Pois para mim o viver é Cristo e
o morrer é lucro” (Fl 1, 21); “Mas o que era para mim lucro tive-o como
perda, por amor de Cristo. Mais ainda, tudo considero perda, pela
excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele, perdi
tudo e tudo tenho como lixo, para ganhar a Cristo e ser achado nele,..”
(Fl 3, 7-9).
Meditemos o Evangelho da Missa de hoje,
tirado de Lucas 16,19-31. Jesus conta a parábola de um homem rico e de
um pobre chamado Lázaro. O rico vivia na fartura dos bens, no luxo do
vestir, no prazer das festas esplêndidas todos os dias. Lázaro, cheio de
feridas, se contentava com os cachorros que vinham lamber suas feridas.
E faminto, desejava matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do
rico. Vindo a morrer, os anjos o levaram para junto de Abraão. Depois
morreu o rico e foi levado para a região dos mortos, onde passou a
sofrer em meio aos tormentos. Deste lugar, o rico via de longe Abraão,
com Lázaro a seu lado. Então, gritando por socorro, pedia a Abraão para
que mandasse Lázaro molhar a ponta do dedo com água para lhe refrescar a
língua, porque sofria muito naquelas chamas. Abraão respondeu:
Lembra-te que durante a vida tu recebeste bens e Lázaro, males. Agora
ele encontra consolo e tu, tormentos. Além do mais, há um grande abismo
entre nós, ninguém daqui pode passar até aí, nem daí, até aqui. Então,
num repente de bondade, o rico pediu a Abraão para que Lázaro pudesse
ressuscitar e ir até à casa do seu pai e familiares, a fim de
preveni-los para não virem também eles para este lugar de tormento. Mas
Abraão respondeu que eles têm Moisés e os profetas, bastando que os
escutem. E concluiu: “Se não escutam a Moisés nem aos profetas, eles não
acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos”.
Pois bem, há um ditado popular que no
meu modo de ver pode ser associado aqui. Diz o ditado: “Para o bom
entendedor meia palavra basta”. Ora, adaptando para hoje o que Jesus
acabou de falar, para o cristão chegar ao céu, basta que escute ao
magistério oficial da Igreja. De fato, o magistério apostólico deve ser
escutado por todo cristão porque é o garantidor fiel da genuína doutrina
cristã e o transmissor seguro dos ensinamentos e preceitos divinos que a
Igreja recebeu de Jesus Cristo, de quem provém todo o poder e toda a
autoridade, com a missão de guardá-los e ensiná-los a todos os cristãos
em vista da sua salvação eterna. Mas, dizem alguns, a Igreja cometeu
muitos erros no passado, muitos dos seus representantes se deixaram
corromper pelo poder, pelo ter, pelo prazer. A Igreja é pecadora, por
isso, não merece crédito, seu testemunho deve ser visto com suspeita e
sua palavra não deve ser aceita cem por cento, como certa. Ao contrário
do que se pode pensar, com relação às pessoas que assim pensam vale
também, “in totum”, o que Jesus acabou de dizer, repetindo, “Se não
escutam à voz da Igreja, eles não acreditarão, mesmo que alguém
ressuscite dos mortos”. A apelação, a título de justificativa, por parte
dessas pessoas para um eventual descrédito da Igreja, por causa dos
pecados de seus líderes, não cabe. O que está a faltar não é o crédito
da Igreja, que em matéria de fé e moral não erra porque é assistida pelo
Espírito Santo e, consequentemente, não prega meia palavra ou meia
verdade, mas a faltar está sim o crédito da fé dessas mesmas pessoas, a
qual nem precisaria que fosse cem por cento, bastando que fosse do
tamanho mínimo da metade, da “meia palavra” do bom entendedor. Assim
sendo, pode-se dizer que para o bom cristão meia medida de fé basta.
Como crer em Cristo e crer na Igreja é a mesma coisa, assim também,
escutar ao Cristo e escutar à Igreja é a mesma coisa. Então, quem não
escuta à Igreja não escuta ao Cristo e não acreditará no que ela ensina,
mesmo que alguém ressuscite. Eis a lição do Evangelho de hoje.
Supliquemos ao Senhor a graça de valorizar em nossa vida cristã a leitura orante da Bíblia. Amém!
Dom Washington Cruz
Arcebispo de Goiânia
Uma tradição pastoral já consagrada,
aqui no Brasil, dá ao mês de setembro um grande relevo ao santo livro da
Bíblia. Isto porque, no dia 30 deste mês, comemora-se São Jerônimo,
sacerdote e doutor da Igreja, que traduziu dos originais para o latim
quase todos os livros sagrados. Dentre os colaboradores do papa São
Dâmaso foi um dos teólogos mais preparados e conceituados.
Após a tradução dos Setenta – tradução
da bíblia hebraica feita por 72 representantes de diversos grupos de
Israel – muitas divergências dogmáticas surgiram, a ponto de se fazer
necessária uma nova tradução latina da Palavra de Deus. O papa Dâmaso,
em 384 D.C., confiou então a São Jerônimo a tarefa de redigir uma
tradução latina do Antigo e do Novo Testamento.
Na Bíblia, encontramos abundantemente o
Plano, o desígnio salvífico de Deus para toda a humanidade. O
evangelista João termina o seu Evangelho afirmando de forma hiperbólica:
“Há muitas coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma,
creio que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que seriam
escritos” (Jo 21,25).
A transmissão da revelação divina é
universal, destinada a todos os homens e mulheres, em todas as línguas e
culturas, para todos os contextos. Porque “Deus quer que todos sejam
salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Por isso, é
necessário que Cristo seja anunciado a todos os homens, segundo o seu
próprio mandamento: “Ide, pois, a todas as nações. Fazei com que todos
os povos se tornem meus discípulos” (Mt 28,19).
A Bíblia nos aproxima de Deus. Há quem a
leia como um cientista que busca as verdades acerca do homem, da
sociedade e de Deus. A Bíblia não é uma tese científica. Nela não
encontraremos esboçadas razões de natureza pragmática. A Bíblia é o
resultante de uma expressão literária da fé de um povo. Todo o conteúdo
da revelação que ali está expressa é também linguagem da cultura. E da
cultura de uma sociedade localizada num lugar específico (na região do
Oriente Médio), num tempo específico (aproximadamente entre 1.000 anos
antes de Cristo e 100 anos depois de seu nascimento). E também mediada
pelas experiências individuais daqueles através de quem Deus falou, seja
por meio dos profetas, dos evangelistas ou dos apóstolos. Portanto,
para compreendermos a Bíblia em sua inteireza, é necessário que tenhamos
boas informações acerca das culturas de dentro das quais os livros
foram escritos. E absorver o que é essencial nas narrativas contidas nos
livros sagrados.
Espera-se que este mês da Bíblia seja um
tempo oportuno para que todos encontremos em suas páginas uma
consequente orientação para o tempo presente. Afinal, a Bíblia é um rico
tesouro de fé transmitida de geração em geração. Sua riqueza é infinita
e sua atualidade é fascinante. É o próprio Deus quem nos fala.
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