O
Instrumento de trabalho da 3ª Assembleia Extraordinária do Sínodo dos
Bispos Sobre a Família, convocada pelo papa Francisco para o mês de
outubro, foi divulgado pelo Vaticano. O material é dividido em três
partes, sendo os capítulos "Comunicar o Evangelho da família hoje", "A
Pastoral da Família face aos novos desafios" e "A abertura à vida e a
responsabilidade educativa". Confira a reflexão dos bispos no capítulo I sobre "O desígnio de Deus sobre matrimônio e família"
Abaixo, a íntegra do texto retirado do Instrumento de trabalho:
Capítulo I
O desígnio de Deus sobre matrimônio e família
A família à luz do dado bíblico
1. O livro do Génesis apresenta o homem e
a mulher criados à imagem e semelhança de Deus; no acolhimento
recíproco, eles reconhecem-se feitos um para o outro (cf. Gn 1, 24-31;
2, 4b-25). Através da procriação, o homem e a mulher são tornados
colaboradores de Deus no acolhimento e transmissão da vida:
«Transmitindo aos seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher,
como esposos e pais, cooperam de modo único na obra do Criador» (CCC
372). Além disso, a sua responsabilidade alarga-se à preservação da
criação e ao crescimento da família humana. Na tradição bíblica, a
perspectiva da beleza do amor humano, espelho do divino, desenvolve-se
sobretudo no Cântico dos Cânticos e nos profetas.
2. O anúncio da Igreja sobre a família
encontra o seu fundamento na pregação e na vida de Jesus, o qual viveu e
cresceu na família de Nazaré, participou nas bodas de Caná, das quais
enriqueceu a festa com o primeiro dos seus «sinais» (cf. Jo 2, 1-11),
apresentando-se como o esposo que une a si a Esposa (cf. Jo 3, 29). Na
cruz, entregou-se com amor até ao fim, e no seu corpo ressuscitado
estabeleceu novas relações entre os homens. Revelando plenamente a
misericórdia divina, Jesus concede que o homem e a mulher recuperem
aquele «princípio» segundo o qual Deus os uniu numa só carne (cf. Mt 19,
4-6), mediante o qual - com a graça de Cristo - eles são tornados
capazes de se amarem para sempre e com fidelidade. Portanto, a medida
divina do amor conjugal, à qual os cônjuges estão chamados por graça,
tem a sua nascente na «beleza do amor salvífico de Deus manifestado em
Jesus Cristo morto e ressuscitado» (EG 36), coração do Evangelho.
3. Jesus, ao assumir o amor humano,
também o aperfeiçoou (cf. GS 49), entregando ao homem e à mulher um modo
novo de se amar, que tem o seu fundamento na fidelidade irrevogável de
Deus. Sob esta luz, a Carta aos Efésios indicou no amor nupcial entre o
homem e a mulher «o grande mistério» que torna presente no mundo o amor
entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 31-32). Eles possuem o carisma (cf. 1
Cor 7, 7) de edificar a Igreja, com o seu amor esponsal e com a tarefa
da geração e educação dos filhos. Ligados por um vínculo sacramental
indissolúvel, os esposos vivem a beleza do amor, da paternidade, da
maternidade e da dignidade de participar deste modo na obra criadora de
Deus.
A família nos documentos da Igreja
4. Com o decorrer dos séculos, a Igreja
não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre matrimónio e
família. Uma das expressões mais altas deste Magistério foi proposta
pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et
Spes que dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade do
matrimónio e da família (cf. GS 47-52). Ele definiu o matrimónio como
comunidade de vida e de amor (cf. GS 48), colocando o amor no centro da
família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade deste amor face às
diversas formas de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O
«verdadeiro amor entre marido e esposa» (GS 49) implica a doação
recíproca de si, inclui e integra a dimensão sexual e a afetividade,
correspondendo ao desígnio divino (cf. GS 48-49).
Além disso, a Gaudium et Spes no número
48 frisa a radicação dos esposos em Cristo: Cristo Senhor «vem ao
encontro dos cônjuges cristãos no sacramento do matrimónio», e com eles
permanece. Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à
plenitude, e doa aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o
viver, permeando toda a sua vida de fé, esperança e caridade. Deste modo
os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria,
edificam o Corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica (cf. LG
11), de modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério,
olha para a família cristã, que o manifesta de modo genuíno.
5. Em continuidade com o Concílio
Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a doutrina sobre o
matrimónio e sobre a família. Em particular Paulo VI, com a Encíclica
Humanae Vitae, evidenciou o vínculo íntimo entre amor conjugal e geração
da vida. São João Paulo II dedicou à família uma atenção especial
através das suas catequeses sobre o amor humano, da Carta às famílias
(Gratissimam Sane) e sobretudo com a Exortação Apostólica Familiaris
Consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família «caminho da
Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação do homem e da
mulher para o amor; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da
família e para a presença da família na sociedade. Em particular, ao
tratar a caridade conjugal (cf.FC 13), descreveu o modo como os
cônjuges, no seu amor recíproco, recebem o dom do Espírito de Cristo e
vivem a sua chamada à santidade.
6. Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas
Est, retomou o tema da verdade do amor entre homem e mulher, que só se
ilumina plenamente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. DCE 2). Ele
reafirma como: «O matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo
torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa,
o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano» (DCE 11). Além
disso, na Encíclica Caritas in Veritate, ele evidencia a importância do
amor como princípio de vida na sociedade (cf. CV 44), lugar no qual se
aprende a experiência do bem comum.
7. O Papa Francisco, na Encíclica Lumen
Fidei, ao tratar o vínculo entre a família e a fé, escreve: «o encontro
com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o
horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A
fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz
descobrir uma grande chamada – a vocação ao amor – e assegura que este
amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu
fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que
toda a nossa fragilidade» (LF 53)
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